O Guia para o Desconhecido
A Relutante Reconstrução do Não Experienciado
Durante a pandemia de Covid-19, passei muito tempo a olhar para fotografias e vídeos de lugares aos quais não poderia ir ou voltar. Continuei a confiar noutras pessoas para documentar partes da sua realidade e a partilhá-las – às vezes sozinha, às vezes com um público mais amplo.
E continuei a fazê-lo. A colecionar pedaços do meu quotidiano para mostrar a quem não podia estar comigo pessoalmente. Com quem eu não podia estar pessoalmente. Continuámos a trocar fotografias de paisagens lindas e de refeições do dia a dia, na esperança de, em breve, podermos vivenciar tudo em conjunto.
Este tipo de experiência ‘em segunda mão’ veio com um misto de emoções. A alegria seguiu, de par em par, com a melancolia. A nostalgia ofuscou a sensação de união. Continuámos a dizer a nós próprios que era tudo temporário e que era preciso esperarmos um pouco mais.
Os seres humanos confiaram sempre em arquivos para aprender coisas. No entanto, não eram mais que uma porta de entrada ou uma maneira de solidificar a experiência em primeira mão.
Entre bloqueios e restrições em constante mudança, a ‘segunda mão’ era, muitas vezes, tudo o que tínhamos. É suposto um arquivo ser um lugar de lembrança. E, no entanto, tornou-se um lugar de estar também presente.
O Guia para o Desconhecido começou com uma pergunta sobre o propósito – eu queria saber se a razão para documentar algo pode realmente ser mais importante do que o próprio conteúdo. Estava curiosa para saber se, eventualmente, a experiência registada se desvanece ou perde o seu significado quando partilhada uma e outra vez, de forma repetida.
Durante o processo, as minhas circunstâncias pessoais mudaram. E, assim, novas perguntas surgiram. Comecei a pensar muito sobre o conceito de lar e a ter um profundo apego às origens (o que nunca tinha acontecido). Essas novas questões pareciam estar alinhadas com o esboço original do meu trabalho.
No início, tomei a decisão de descobrir o arquivo de forma mais intuitiva e emocional. Não me importei por não entender as palavras e não fiz muita questão de percorrê-lo numa ordem específica.
O livro deveria ser um guia. Mas o meu trabalho é a recordação da recordação de alguém. A impressão onírica de lugares e conceitos estranhos para mim. Só posso oferecer dicas e não respostas completas. Só posso oferecer uma direção que leve até metade do caminho.
O resto cabe sempre ao viajante.