A Film

Esta foi a minha primeira vez numa residência artística. Como tal, tinha muitas questões que precisavam de ser respondidas. O propósito deste projecto é compreender a essência pessoal de um programa de residências artísticas. Com isso em mente, mapeei a história e os acontecimentos de Nodar através de uma narrativa feita apartir de encontros e entrevistas coma população local, e investigando na documentação própria do Centro de Residências Artísticas de Nodar.Para perceber e enriquecer as características fundamentais de um tema é fundamental examiná-lo sob diversas perspectivas. Se pensarmos no espaço como se fosse um vocabulário, então, para partilhar a experiência teremos de nos socorrer das ferramentas de uma língua comum. Por esta razão, quis levara cabo a experiência colectiva de Nodar a partir do olhar e escuta dos seus habitantes. É importante para uma organização perceber o seu impacto na comunidade.

Uma forma de compreender esse impacto pode vir de um exame aos mitos e às histórias que as pessoas partilham sobre ela.De certa forma o meu trabalho é a manifestação do processo de associações livres iniciado pelas Residências Artísticas de Nodar na comunidade local. O material recolhido foi misturado com documentos e materiais de arquivo (f) actuais de Nodar. O facto torna-se ficção.

Qual é o período de tempo que considera mais memorável?

–Os dias em que eu era um jovem rapaz. Na altura a juventude era muito diferente. Por exemplo, quando havia uma festa local, o evento terminava às 21h.Nos dias de hoje, a essa hora, as coisas ainda nem sequer começaram. Agora,os pais ajudam os jovens. Eu comecei a trabalhar quando tinha apenas 12 anos de idade. (João Almeida Gomes, 47 anos). De Pinheiro (Quinta da Mata). Trabalha naconstrução civil e reside em Parada de Ester).

–Quando tinha 18 anos e andava atrás das raparigas! Na minha época, havia 16 raparigas da minha idade. Agora não há quase nenhuma. Foram todas embora. (Eduardo Penedo, de 81 anos. Reformado. Vive em Sequeiros)

–Lembro-me do tempo quando era mais jovem e cantava e dançava com o grupo de dança tradicional (“rancho”). Esse grupo deu muita alegria à população. Entretanto casei-me. Não conseguia encontrar trabalho, e por disso decidi ir para a Suíça. (Donzília Cipriano, 49 anos. Trabalha no café e mercearia “Flordo Campo”, Sequeiros)

Como descreveria o presente momento, em termos de qualidade de vida (diligência, a taxa de desemprego, rendas, actividades colectivas, o tempo gasto em actividades comunitárias, etc.)?

–Não há confiança. As pessoas parecem estar chateadas umas com as outras. O pensamento primordial é o dinheiro. As pessoas vivem bem na aldeia. O problema é que há cada vez menos gente. Ainda existe algum trabalho, sobretudo na construção civil. As pessoas não se reúnem, exceptuando para o ver futebol. (José Pinto, Parada deEster)

–É agradável. Mas como em qualquer outra aldeia, há sempre algumas ovelhas negras. Há pessoas que vieram a este mundo só para irritar os outros, e outros que nasceram para sofrer. Aqui há oportunidades. Por exemplo, temos um médico que vem todos os dias ao Centro de Saúde local. Nós temos uma padaria, uma farmácia, um restaurante. Antes do Euro as coisas eram melhores. (João Almeida Gomes, 47 anos). De Pinheiro (Quinta da Mata). Trabalha na construção civil e reside em Parada de Ester)

–Antes ascoisas eram simultaneamente piores e melhores. As coisas eram mais difíceis, mas nós éramos jovens. Agora, as pessoas de idade têm pensões e podemos viver melhor. Para os mais jovens as coisas não estão tão boas. Eles vão-se embora para estudar e encontrar um emprego e nunca mais voltam. (Eduardo Penedo, de 81 anos. Reformado. Reside em Sequeiros)

Qual é a principal razão que mantém a aldeia viva?

–Os idosos são os que mantêm a aldeia viva. Espero estar enganado, mas daqui a 10 anos, a aldeia terá metade das pessoas que tem hoje. (Mário de Almeida Monteiro, 34 anos). Metalúrgico, Parada de Ester)

–Antigamente todos eram pobres, mas eram mais felizes. Agora, é o facto de as pessoas se encontrarem. (José Paiva Ribeiro, 64 anos.Reformado) Quando foi a última vez que teve uma reunião com os habitantes?

–Alguns dias atrás, numa reunião sobre as terras das comunidades locais e a floresta. Existem alguns problemas pessoais na aldeia por causa da água para as terras. Provavelmente são os mais jovens, que poderão resolver a situação. (José Pinto, Parada de Ester)

Qual é a sua opinião quanto ao tipo de influência que a Binaural/Nodar tem na (vida) da vila?

–Ouvimos algumas informações sobre isso, mas nem sempre entendemos o que isso significa. Essas actividades artísticas são importantes. (Mário de Almeida Monteiro (34 anos). Metalúrgico) Que tipo de significado tem para si a Binaural/Nodar?

–Por enquanto, isso não signifca nada. Costumo ver os cartazes aqui, mas nunca lá fui (por falta de tempo ou esquecimento). (Mário de Almeida Monteiro (34 anos).Metalúrgico) Costuma assistir às apresentações dos trabalhos dos artistas?

–Uma vez vi uma apresentação. Uma espécie de um filme. Não foi mau,mas as pessoas nas aldeias, por vezes, têm receio de falar, porque podem pensar que é outra coisa. (João Almeida Gomes (47 anos). De Pinheiro (Quinta da Mata). Trabalha na construção civil e reside em Parada de Ester).

–Sim, eu estava num dos eventos em que uma das artistas preparou um prato, com os ingredientes comprados no mercado local, e deu-o a provar ao povode Parada de Ester. (Sónia Barbosa (26 anos). Trabalha no restaurante “Bem Estar”)

–Sim. Também participei num dos projectos, quando uma artista me pediu para pegar ao colo em dois cordeiros, para ela tirar uma fotografa. (Donzília Cipriano, 49 anos. Trabalha no café e mercearia “Flor do Campo”, Sequeiros) De que forma é que pode beneficiar mais com a Binaural/Nodar?

–Se eles fizessem apresentações aqui em Parada de Ester, eu estaria mais inclinado a estar presente. (José Pinto, Parada de Ester)

–Talvez se pudessem realizar algumas actividades aqui em Sequeiros e se também pudessem criar empregos para as pessoas da região. (Donzília Cipriano, 49 anos.Trabalha no café e mercearia “Flor do Campo”, Sequeiros)

O que seria diferente, se houvesse dez artistas/activistas culturais a viverem em Nodar?

–Provavelmente, seria bom. Talvez eles pudessem organizar coisas com mais frequência, não apenas num fim-de-semana. Viriam mais pessoas de fora para conhecer a aldeia. (Mário de Almeida Monteiro (34 anos). Metalúrgico)

–Se houvesse um evento todas as semanas, eu iria lá. Eu não me importava de pagar 5 ou 10 euros para isso. Outros não pagariam. Alguns são muito apegados ao dinheiro.(José Paiva Ribeiro (64 anos). Reformado) Quando é que se apercebeu que havia uma casa em Nodar repleta de “pessoas estranhas”/artistas?

–Quando eles começaram, vieram imediatamente falar connosco (a Associação Comunitária de Sequeiros) para ver se poderíamos trabalhar juntos. (Donzília Cipriano, 49 anos. Trabalha no café e mercearia “Flor do Campo”, Sequeiros)

Que actividades gostaria de ver com mais frequência?

–Música, novelas, teatro. (João Almeida Gomes (47 anos). De Pinheiro (Quinta da Mata). Trabalha na construção civil e reside em Parada de Ester)

–Actividades especialmente para crianças. Após a missa dominical as crianças não têm nada para fazer. Apenas a televisão ou irem passear com os pais. (Mário de Almeida Monteiro (34 anos). Metalúrgico)

–Actividades culturais. Palhaços e todas essas coisas. (José Paiva Ribeiro (64 anos). Reformado)

–Poderiam talvez preparar pratos de outros países, para que possamos conhecer coisas diferentes. (Sónia Barbosa (26 anos). Trabalha no restaurante “Bem Estar”)

O que espera dos artistas?

–Eu não conheço estes artistas, por isso não posso esperar nada. As pessoas precisam mais do que pão para viver. (João Almeida Gomes (47 anos).De Pinheiro (Quinta da Mata). Trabalha na construção civil e reside em Parada de Ester)

–Que podem trazer coisas novas. Podem ensinar-nos algo. (Mário de Almeida Monteiro (34 anos). Metalúrgico) Considera que a Binaural/Nodar abriu uma nova perspectiva na vida quotidiana da aldeia?

–Eles podem ajudar a desenvolver estas aldeias…com o turismo. Eu só penso no turismo em relação a isto. (José Pinto, Parada de Ester)

Considera que a Binaural/Nodar está orientada para o turismo / é uma organização turística?

–Sim. Eles devem explorar mais o lado turístico da região. Temos belas paisagens, com montanhas e rios. (Donzília Cipriano, 49 anos. Trabalha no café e mercearia “Flor do Campo”, Sequeiros) Acha que Nodar é uma área onde se pode desenvolver o turismo rural?

–Temos belas paisagens, com montanhas e rios. Deveria haver mais investimentos, hotéis e pousadas, para que os turistas pudessem permanecer na região e não fosse apenas de passagem. (Donzília Cipriano, 49 anos. Trabalhano café e mercearia “Flor do Campo”, Sequeiros)

Entende que Nodar é uma boa zona para os artistas desenvolveremos seus projectos?

–É um lugar excelente para as pessoas refletirem, porque é silencioso.(José Pinto, Parada de Ester)

–No rio, nas casas abandonadas (para filmar, para espectáculos). (João Almeida Gomes 47 anos). De Pinheiro (Quinta da Mata). Trabalha na construção civil e reside em Parada de Ester)

–Um pintor ou outro artista que pode estar sentado perto do rio; este silêncio tem todas as condições para a criação artística. (Mário de Almeida Monteiro (34 anos). Metalúrgico) O que é que faz com que Nodar (esta área em geral) seja atraente para os visitantes / turistas / artistas?

–É uma região bonita. As pessoas estão cansadas das cidades. Há montanhas, casas antigas, o rio Paiva. (Sónia Barbosa (26 anos). Trabalha no restaurante “Bem Estar”)

–As montanhas em for, as antigas aldeias. Nós não damos tanta importância, porque fomos aqui criados, mas as pessoas da cidade gostam realmente disto. (Eduardo Penedo, de 81 anos. Reformado. Reside em Sequeiros) Tem alguma pergunta que gostaria de colocar a um habitante da Estónia?

–Aquilo é bonito? As condições de vida são boas? O custo devida é superior ou inferior a Portugal? Eles gostam disto? Gostam da nossa comida? (Sónia Barbosa (26 anos). Trabalha no restaurante “Bem Estar”).

Toomas Thetloff é um artista interdisciplinar oriundo da Estónia que trabalha nos domínios da fotografia, som, instalação, performance e vídeo.

Desde 2005 tem levado a cabo diversas acções-performances em cooperação com “Art Security” e EKSP. Toomas é igualmente o coordenador do espaço de projecto experimental “p.o.t.t.” e ainda membro do MoKS–Centro para a Arte e Prática Social, um centro de residências artísticas no sudeste da Estónia.