Body Material and others

Tenho desde sempre o fascínio pelo conceito de ecologia: como podem organismos e materiais co-existirem e influenciarem-se mutuamente. Dar conta desta interligação é fascinante – certas plantas vivem apenas em certas condições assim como pessoas com determinado temperamento tendem a viver em determinados tipos de clima, etc. Podemos compreender perfeitamente muito do que há a saber sobre um local através do estudo demorado da mais ínfima amostra desse local.

“Body Material” é uma série de retratos de habitantes da aldeia de Sequeiros, vizinha de Nodar. Nesta série, tirei retratos de pessoas de uma forma convencional mas retratei igualmente algo invisível nelas: fiz crescer fungos a partir de matéria orgânica do corpo das pessoas.

Pedi às pessoas que “partilhassem” comigo alguma coisa dos seus corpos, como um cabelo ou um resto de água usada para lavar as mãos. Pedi-lhes para recolherem matéria do ar que circula nas suas casas e, por fim, coloquei tudo num substrato biológico.

Pedir às pessoas para partilharem uma parte dos seus próprios corpos, e revelar estes retratos escondidos, foi um processo muito íntimo.

Fotografei os locais de origem do material, fotografei os fungos provenientes desse material e fotografei as pessoas que sacrificaram uma parte de si enquanto “material”.

Mais tarde o bolor começou a crescer no substrato. Estas fotografias de formas e cores diversas, são de certa forma retratos invulgares dessas pessoas, que trazem algo escondido, sempre presente.

Naturalmente esperava que as pessoas ficassem apreensivas ao lhes serem pedidos elementos dos seus corpos-normalmente ninguém está disposto a dar algo do seu próprio corpo a não ser que seja para um feiticeiro ou bruxa – mas os fungos são bonitos e estranhos e quando as pessoas queriam saber o que eram iniciava-se então uma espécie de jogo.

O projecto tinha como preocupação principal o lugar. No início eu não queria fazer fungos com as pessoas mas sim coma paisagem, o solo, as folhas. Depois pensei: na paisagem tudo cresce, tudo é belo – a paisagem não quer mudança alguma, sente-se bem assim. Uma vez que no Norte, de onde eu venho, temos de batalhar muito para fazer qualquer coisa melhor, mais bela, lá o crescimento dos fungos faz mais sentido, enquanto que aqui tudo é mais descontraído e as coisas crescem com naturalidade.

Este trabalho é para mim muito íntimo e delicado, não tanto pelo resultado (fotografias e padrões), mas pelo processo de recolha de material, pela comunicação com as pessoas e a natureza-o projecto é sobre processos de crescimento.

“Body Material” foi um estudo do lugar através do meu envolvimento e do meu crescimento com ele. Os fungos prolongam a nossa existência. São retratos ampliados de lugares e pessoas, manifestações de alguma coisa que existe, mas que não pode ser vista numa fotografia normal.

Outro trabalho desenvolvido em Nodar consistiu num conjunto de três vídeos acerca do carácter transitório que afecta a nossa vida, acerca da finitude, que une pessoas, animais e paisagem -o que não é uma ideia triste, mas sim calma e poética.

Quando cheguei a Nodar apercebi-me de uma série coisas a acontecer, do gato recém-nascido, o gato a comer o rato, e do constante fluir da água. De certo modo tudo isto me fez sentir mais feminina. Nos vídeos eu não lutava; para mim isto era o reflexo da natureza, das rochas, do rio.

Esta foi a ideia com que fiquei de Nodar: nada parecida com a depressão generalizada do Norte, de onde eu venho, mas sim com a noção de auto-sustentabilidade e com a consciência de que tudo vai e vem. Este conhecimento é tão antigo quanto feminino e dá-me uma sensação de poder – algo que poderia ser designado de misticismo, mas que talvez seja simples paz de espírito e confiança em mim mesma.

Svetlana Bogomolova nasceu em São Petersburgo (Rússia) e vive actualmente na Estónia. É formada em media e publicidade pela Faculdade de Belas Artes de Tartu. Desenvolve projectos nos domínios da fotografia, vídeo, performance, instalação, design gráfico e multimédia. É membro do MoKS – Centro para a Arte e Prática Social e tem participado em diversas exposições, projecções, performances, instalações áudio e vídeo. Trabalha actualmente em vídeo arte, como VJ e como designer gráfica.

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