Abrigo

Numa região onde a arquitectura tradicional sofreu enormes transformações–resultantes não só da introdução de novos materiais e técnicas de construção, mas também pela importação de modelos arquitectónicos estrangeiros–sentimos muitas vezes que existe um tempo diferente em torno das construções que ainda mantêm as características originais da região. Estas casas, muitas das quais foram abandonadas, mais que simples abrigos, foram locais essenciais da vida diária da família.Estes gestos e acções extintos ecoam ainda nos seus muros de pedra. São memórias evocadas pelas divisões vazias, relatos de habitantes que ainda as lembram vivas, objectos que, deixados para trás, nos contam histórias.

Pode falar-se de um tempo diferente dentro destas casas, um tempo indiferente à nossa presença, indiferente ao presente, um tempo que nos fala da identidade do território, de uma maneira muito própria de o construir e habitar que, pelo uso dos materiais, se relaciona quase mimeticamente com a paisagem natural. Partindo de relatos dos habitantes e gravações da ambiência destes locais, surge um objecto audiovisual híbrido que relaciona uma visão documental com outra linguagem mais experimental em torno do universo sonoro dos materiais usados paraa sua construção–a pedra e a madeira.

Em “Abrigo” o meu objectivo foi fazer uma analogia de carácter experimental com um documentário com imagens que captei em Labé, na Guiné-Conakry, em torno da construção de uma casa, em que são utilizados os recursos, técnicas e mão-de-obra locais, num ambiente urbano caótico e numa sociedade com uma identidade forte.

Inicialmente interessava-me mais a parte experimental, sobretudo a parte sonora explorada em separado da imagem. O elemento documental surgiu como necessidade de responder à curiosidade da comunidade. A dupla projecção, com dois ecrãs em paralelo, permite mostrar muito mais em menos tempo (duplica mesmo a duração) e vai no sentido de equilibrar a parte experimental com a documental.

Rui Silveira nasceu em Campo Maior em 1983 e vive em Lisboa. É licenciado em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e embora a sua formação tenha sido em grade parte orientada para o design gráfico, sempre tentou dirigir os seus trabalhos para os meios audiovisuais. As relações entre som e imagem (vídeo ou fotografia) captaram desde o início a sua atenção e interesse. Participou com trabalhos no Festival Collision em Londres e nos Rencontres Internationales em Paris.

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