Deixo aqui a minha casa.
Tenho de ir.
Adeus.
Quando deixei a minha casa,
Sabia que nunca iria regressar.
A minha casa: combinação de pensamentos, memórias e sinais.
O meu refúgio.
O meu canto do Universo.
Solidão e agregação.
Aconchego-me a mim própria. Torno-me pequena pela última vez
para sentir o lugar que irei deixar,
para sentir novamente as vozes do passado que ecoam atrás das paredes.
Gravo as últimas imagens, os últimos odores, os últimos sons.
Deixo a minha casa para o vento.
Deixo-o fazer o que quiser à casa.
Adeus casa. Adeus.
Hoje, morre uma parte de mim neste Outono frio.
Não sei para que lugar irei.
Só posso dizer que já o estou a sentir.
Mooste, 3rd Outobro 2008
Introdução
Pesa significa ninho em Estoniano. O pássaro constrói o ninho usando o seu próprio corpo: mistura com o bico e saliva os materiais que encontra, depois pressiona-os com o seu peito e prende-os até estarem suaves e maleáveis. Neste sentido, o pássaro impõe uma forma ao ninho: ao andar à volta dele repetidamente e pressionando o seu peito contra a parede, ele cria a casa em forma de círculo.
O ninho sempre foi o símbolo da casa. A casa é o próprio homem, a sua forma e o seu esforço para a construir e manter firme. A casa é o lugar do corpo, de um corpo que ocupa o espaço entremurado doméstico para se cuidar, nutrir e repousar. A casa é o nosso refúgio: lá dentro encontramos cantos onde nos aconchegamos e nos tornamos mais pequenos, onde nos escondemos como quando éramos crianças e escolhíamos alguns lugares especiais para brincar. A casa é desde sempre o nosso pequeno universo.
A casa é também a imagem de cada um de nós: “Da concha se pode entender o molusco, da casa o inquilino” (Victor Hugo). A casa é o lugar de integração de pensamentos, experiências e memórias e é, por essa razão, que somos invadidos por um profundo mal-estar quando somos obrigados a abandoná-la para sempre.
O silêncio de uma casa vazia é desarmante. O silêncio da nossa casa vazia, despida dos nossos haveres, é-o ainda mais. A nossa memória irá tentar preencher o vazio que nos invade com as vozes e os sons do passado. A nossa futura residência, o nosso novo ninho, irá recordar um pouco do que deixámos e em breve a nossa casa abandonada tornar-se-á apenas numa imagem, será apenas uma memória desvanecida, como um sonho longínquo que vive em nós para nos recordar o que fomos.
Pesa é um projecto dedicado à casa, à casa da infância, a todas as casas que abandonámos no curso da nossa vida. É um elogio à melancolia.
Descrição
Pesa é uma obra concretizada na forma de uma instalação vídeo em três ecrãs (Pesa#1, Pesa#2 e Pesa#3) concebida a partir de uma performance site-specific realizada em Outubro 2008 durante uma residência artística no MoKS, Estónia.
“Para escolher os lugares que eu sinto e fazer ninhos em cada um usando os materiais encontrados e a minha saliva. Para abandonar o ninho. Para interpretar o sentido de um lugar com a minha voz “. (Manuela Barile)
PESA#1, documenta a performance na Estónia. Esta é dividida em três ecrãs e mostra a distância percorrida para chegar ao lugar escolhido, a construção dos ninhos e os detalhes dos vários locais. O ritmo circular do vídeo lembra aquele que o pássaro faz no seu ninho. Ao andar continuamente às voltas e a apertar o seu peito contra a parede, dá à casa a forma de um círculo.
A imagem do ninho está associada à imagem da casa simples, a casa da infância, aquela onde sempre regressamos ou sonhamos regressar, como o pássaro que volta ao seu ninho.
PESA#2 e PESA#3 descreve as reacções imediatas ao abandono, representado pelo sentimento de melancolia
A melancolia é o “humor negro”, é como um véu que cai sobre as coisas. Melancolia é a felicidade de ser triste, dizia Victor Hugo. A melancolia é um sentimento que está além da felicidade e além da dor, mas ao mesmo tempo contém os dois. A melancolia é um doce olvido que tem como fonte geradora não só a dor, mas o mesmo prazer e está estreitamente ligada à nossa fragilidade. Precipitar na melancolia significa perder-se mas sem realmente afundar no desespero. A melancolia é o luto sem a morte. É uma vaga tristeza que não tem cura, e que às vezes nem sequer tentamos curar por causa de uma doce complacência que frequentemente a acompanha.
Pesa#2 sublinha este prazer que se encarna na lentidão. Melancolia é a paixão da lentidão, o olhar para dentro de si mesmo e o ouvir profundo de si mesmo e do mundo. O acariciar o rosto com uma folha seca, enquanto estamos imóveis, tal qual um monge na sua cela. Se eu pensar numa forma de definir a melancolia com um movimento, lembro-me logo do movimento das ondas, o vai e o vem do mar, este berço da dor. Ir e vir. O movimento que busca um consolo, o baloiço da lamentação fúnebre. O movimento que te leva e te deixa, que te dá e que te tira. Aqui está o nascimento do vídeo Pesa#3, onde eu me abandono à melancolia, ao prazer pela tristeza materializada no rebolar nas folhas secas. Mas este prazer não é um prazer destrutivo, é um prazer que imagina novos mundos, processa-os, com o objectivo de construí-los. A melancolia é portanto uma abertura para a realização, porque deixar um lugar é deixar uma parte de si, mas é também o deixar uma parte de nós mesmos para outras pessoas que viveram a experiência connosco. Deixar um lugar e ir em busca de uma nova casa, onde estão outras pessoas para te receber e onde poderás novamente abandonar-te.
Formato de apresentação
A instalação vídeo é composta por:
– “Pesa#1” vídeo projectado numa parede, que documenta a performance na Estónia (o percurso efectuado para chegar ao lugar escolhido, a construção dos ninhos, os pormenores dos lugares).
– “Pesa#2” e “Pesa#3” projectados em paredes opostas. No primeiro, a performer rebola continuamente num prado de folhas secas. No segundo, a performer acaricia docemente a sua cara com uma folha seca.
– Uma composição sonora constituída por:
– Sons da voz da performer captados com microfones binaurais nos locais onde os ninhos foram construídos e depois abandonados.
– Gravações de campo (“field recordings”) dos mesmos locais.
– Estrofes de canções tradicionais da Estónia sobre o tema do abandono.
– Um poema escrito pela artista
CRÉDITOS
Conceito e Direcção Artística: Manuela Barile
Performer Vocal e Composição Sonora: Manuela Barile
Gravações Sonoras de Campo: Manuela Barile
Registo e Montagem Vídeo: Manuela Barile
Fotos: Manuela Barile
Vozes Recitante: Evelyn Müürsepp (Estónia)
Voz Cantante: Anna Hints (Estónia)
Pós-produção de Som: Rui Costa (Portugal)
Residências Artísticas: Moks (Estónia)
Produção: Luis Costa e Carina Martins (Binaural)
Apoio: Ministério da Cultura – Direcção Geral das Artes
Fotos de alguns ninhos feitos pela artista e dos locais onde ela os abandonou.
Video stills de Pesa #1
Video stills de Pesa #2
Video still de Pesa #3
Vista da Instalação “Pesa” no Museu da Bienal de Cerveira, Vila Nova de Cerveira (Portugal). Foto de Maile Colbert, 2009
Vista da Instalação “Pesa” no Museu da Bienal de Cerveira, Vila Nova de Cerveira (Portugal). Foto de Carina Martins, 2009
Video Still de Pesa #1