Durante a nossa residência em Nodar, na Primavera de 2010, experienciámos a íntima ligação entre as pessoas e a água. Ao ficarmos no Centro de Residências Artísticas de Nodar, e passando todos os dias a gravar sons e imagens junto ao rio Paiva, sentimos como a água limpava os nossos corpos e almas. A transparência e pureza do rio Paiva ensinou-nos que viver com o ritmo da água, é viver em harmonia connosco próprios. O nosso contato físico com o rio Paiva, isto é, ao ficarmos na sua margem e ao mergulharmosa câmara subaquática ou hidrofone na água, ou ao entrarmos no rio e sentirmos a força da sua corrente, fez-nos perceber como a água reflete os nossos corações. Apenas quando nos entregamos ao fluxo da água, o rio nos revela a sua profundidade e beleza.

Através do diálogo diário com o rio Paiva descobrimos as diferentes expressões visuais e acústicas da água. Percebemos que a água soa e parece diferente, acima e debaixo de água, sentimos a sua textura, o peso da sua materialidade,a permeabilidade da sua borda,e que o mundo exterior se mostra num ângulo diferente a partir de dentro de água.Também sentimos o poder de atração do fluxo do rio, e que a água tem a forçade tirar a vida, bem como de dar vida.

A residência também nos deu uma visão da forma de viverem harmonia com a natureza. A água é usada como um bem comum, e está a ser partilhada por animais, pessoas, árvores, montanhas e vales. A água flui pelas aldeias num sistema de canais antigo e sábio, onde passa por diferentes mãos, bocas, casas, jardins, campos, etc. É utilizada para cozinhar, para regar as plantas, alimentar os animais, lavara roupa, e noutras atividades diárias. Depois, junta-se ao rio Paiva para se tornar uma corrente maior, levando, por fim, todas essas experiências, para o oceano. Sentimos que este microcosmo reflete a circulação de água numa escala global.

Também nos lembrámos que o primeiro contato entre Portugal e o Japão foi por água: Em 1543, um navio Português chegou ao porto deTanegashima no sul do Japão e, assim, começou o comércio ultramarino entre o Japão e a Europa. O comércio até deixou a sua marca na língua japonesa, onde palavras como pão derivam do Português. Apreciámos o facto de duas artistas japonesas terem sido convidadas por Portugal para explorar a água do Rio Paiva, quase 500 anos depois. Imaginamos que algumas gotas de água que encontrámos durante a nossa residência devem ainda lembrar-se de levar o navio Português para a costa japonesa.

Além disso, Masayo lembrou-se intensamente da sua experiência em Lil’wat, uma comunidade nativa canadiana em British Columbia, Canadá. O povo Lil’wat também vive com a natureza. O salmão que sobe o rio todos os verões, é o seu alimento principal,e pela pesca do salmão, há uma forte ligação entre o povo Lil’wat e o ciclo da vida. Disseram a Masayo que a água tem memória. Recorda-se de tudo o que toca. O povo Lil’wat costumava usar a água para fazer passar mensagens, e continuam a acreditar nos poderes comunicativos da água. Durante a residência, Masayo reforçou este entendimento da água.

Yasuno ficou profundamente tocada pela bondade e calor das pessoas e dos animais que conhecemos. Na simplicidade das suas vidas, viu uma bela harmonia entre os seres humanos e a natureza. Ela acredita que a água é como um espelho dos nossos corações. O fluxo do Rio Paiva reflete os corações puros das pessoas, e a água limpa os seus corações. Entendeu isto como sendo um conceito importante, como a baseda vida.

Com todas estas impressões, experiências e imaginações que reunimos durante a nossa residência, pensámos trazer as imagens e os sons do rio Paiva reunidos para outros lugares para dentro das nossas vidas diárias e para as cidades onde vivemos. Como faríamos isso? Quando fomos a Castro Daire despedirmo-nos de Yasuno, que nos deixou alguns dias antes de Masayo, vimos um homem a andar nas ruas, um guarda-chuva pendurado na golado casaco, nas suas costas. Foi uma imagem simples, quotidiana, e ao mesmo tempo poética. Um guarda-chuva poderia transportar os nossos pensamentos e imaginações, os sons e imagens entre diferentes lugares. Poderia trazer a experiência do Rio Paiva para as nossas cidades e vidas diárias. O nosso trabalho é continuar a nossa jornada com imagens e sons, como a água continua a sua viagem através do tempo e do espaço. Como a água carrega experiências e memórias, purificando o coração, podemos trazer um guarda-chuva para reunir e divulgar as nossas experiências e memórias para partilhar com os outros. Assim surgiu a ideia da instalação do guarda-chuva, onde o guarda-chuva está de cabeça para baixo, capturando, bem como emanando, sons e imagens. As nossas imagens e sons são como gotas de chuva, levando a memória da residência e do Rio Paiva, caindo suavemente nos nossos corações.

Yasuno Miyauchi, formada pela Universidade Gakugei de Tóquio, estudou composição musical clássica e moderna. De 2005 a 2007, tirou uma pós-graduação em IAMAS (Institute of Advanced Media Arts and Sciences), e estudou media art, música electrónica e composição algorítmica com o Prof. Masahiro Miwa. O âmago de seu trabalho é a composição e performance ao vivo, e tem vindo a colaborar com artistas de diferentes géneros, como filmes, dança e instalação. Por fim, desde 2006, trabalha com a artista de vídeo Masayo Kajimura.

Masayo Kajimura nasceu em 1976 em Berlim, Alemanha, numa segunda geração de imigrantes japoneses. Ela vive e trabalha principalmente como artista de vídeo. Masayo Kajimura realizou curtas-metragens, vídeo-instalações e peças colaborativas com dança e música. Mostrou os seus trabalhos a nível internacional, incluindo na Alemanha, Japão, Bulgária, Holanda, e E.U.A.; Por exemplo, no International Short Film Festival Oberhausen,Amsterdam Film Experience, ou Sibiu International Theater Festival.

OBRAS ARTÍSTICAS