Estas transformações formam uma malha complexa e sobreposta de realidades. Não existe um antes e um depois. As formas ancestrais de viver o rural (ainda) coexistem com novos usos da paisagem, com novas actividades e prioridades. O processo de abandono, que se reflecte a várias dimensões (oportunidades de trabalho, infra-estruturas, produção cultural, coesão social, visibilidade nos media), deixa as comunidades rurais com um sentido de identidade enfraquecido. Por outro lado, o paradigma agrário, o qual sempre foi central na história e no tecido social das comunidades rurais, encontra-se num ponto de evanescência irremediável, estando inclusive a desaparecerem os guardiões dessa memória.
Todos estes factores constituem um terreno fértil para a produção de trabalhos artísticos contemporâneos que questionem e problematizem, através de mecanismos sensíveis, as contradições destes tempos de acelerada mutação do mundo rural. Não pode ser esquecido que as comunidades rurais são dotadas de uma criatividade e de um potencial imaginativo que muitos desconhecem.
A decisão de iniciar um programa de residência artísticas em contexto rural no ano de 2006 foi motivada pela consciência da importância do processo de transformação descrito atrás, pela vontade simultânea dos membros da Binaural Nodar em começarem um processo de enraizamento no território baseado numa vivência quotidiana com as comunidades locais e,pela perceção de que o acolhimento de artistas e investigadores oriundos do exterior permite um aporte de ideias e de expressões relevantes a um contexto específico e periférico.
Em Março de 2006, começou oficialmente o Programa de Residências Artísticas da Binaural Nodar que começou a acolher artistas sonoros, visuais, intermedia, performers, etc. A primeira residência foi a do músico e performer espanhol Nilo Gallego que desenvolveu o seu projecto de música em espaço aberto “Ação sonora com pastor, cabras, cão, músico e público”.
Em Setembro de 2006 decorreu, em colaboração com a organização cultural MoKS da Estónia, a segunda edição do simpósio Pushing the Medium #2, um encontro internacional de cerca de 20 artistas de diversas áreas artísticas que apresentaram trabalhos que privilegiam uma relação com o espaço. O programa do simpósio Nodar Pushing the Medium #2 reuniu, na sequência do desenvolvimento de projectos de curta duração realizados no âmbito de uma residência na aldeia de Nodar, conferências e artist talks numa universidade e eventos performativos nas cidades portuguesas da Guarda e de Viseu, assim como uma apresentação final dos projectos na própria aldeia de Nodar.
Nos anos seguintes, mais de 150 artistas foram acolhidos no programa de residências artísticas da Binaural Nodar, proporcionando um envolvimento entre artistas, espaços geográficos e comunidades rurais. Um encontro entre formas diferentes de viver, conceber e traduzir o mundo, o qual não é meramente instrumental (no sentido da simples recolha de “documentação” para o desenvolvimentos da obra) mas sim algo de orgânico, que se vai construindo naturalmente ao longo do tempo, que se baseia numa vivência quotidiana e comunicativa. O artista que acolhemos é, por definição, aquele que assume o desafio ou risco de trabalhar com contextos novos, a necessidade de adaptação a circunstâncias desconhecidas no contacto social directo, adaptando, reconfigurando e problematizando linguagens, materiais e abordagens estéticas.
Desde 2010 que o Programa de Residências Artísticas da Binaural Nodar define uma temática agregadora para os projetos artísticos acolhidos em cada ano, tendo sido trabalhadas temáticas como as paisagens fluviais, a voz, a arquitetura rural, a religião, a mobilidade em contexto rural, a relação com o mundo animal e outros.