Eu Só Quero Ser (Aquilo que sou)

“Deparei-me com o encontro Fronte[i]ras 07 numa altura de viragem da minha vida. Depois de 10 anos sem filmar e de dedicação quase exclusiva à música (mesmo assim sempre, ou quase, contaminada pelo cinema e as outras artes), tinha comprado uma câmara de vídeo e decidido voltar a filmar. No caso, um filme sobre o meu pai, anónimo funcionário público,morto há pouco tempo num acidente de automóvel. Quando li a proposta de refectir artisticamente sobre a ideia de fronteira, percebi que andava a “fronteirizar-me” de uma forma que contrariava a minha maneira de ser. A pôr fronteiras em mim próprio, a dizer para ali não passas, não é o teu território. Mas a verdade encontra sempre os seus caminhos–se soubermos dar-lhe, que é como quem diz dar-nos, atenção. “Eu só quero ser aquilo que sou” foi uma frase que encontrei numa magnífca exposição de Thomas Hirschhorn em Serralves, e que escrevi no meu caderninho junto a outros objectivos para o então novo ano de 2007. Pensando bem, esta frase resumia na perfeição uma busca que iniciei na vida adulta, quando pela primeira vez tomei consciência de uma forma meio opaca de que tinha que escavacar muitas camadas de lama para chegar à minha essência. O resultado final foi o que chamei de “Live Poetic Documentary”, um trabalho bastante pessoal, mas com, assim espero, ressonância universal. Uma performance sobre a procura de uma identidade, de uma casa, do encontro entre os nossos vários “eus”. Da importância da atenção ao que nos rodeia, da necessidade de coragem para encontrar a nossa verdade, do respeito pelos nossos desejos. E de que andar perdido é necessário para nos encontrarmos, e de que o caos e os sonhos apontam-nos caminhos. Tudo isto surgiu de forma espontânea e não programada, e nasceu da minha interacção e improvisação com o espaço e as pessoas que me rodearam durante aqueles dias. Tentei esbater algumas fronteiras entre o ecrã e a performance ao vivo, uma limitação que sinto quando faço filmes-concerto mais convencionais onde os filmes não foram pensados para ter música ao vivo, e onde a atenção do espectador de divide entre duas coisas distintas. Entre o planeado e o improvisado, esta apresentação também tentou mexer com fronteiras entre o documentário e a ficção, e o filme mudo e o filme sonoro (parte do filme tem som, outra parte não tem). No final da apresentação, em Barcelos, a reacção não foi, obviamente, unânime. Houve quem gostasse e houve quem não gostasse ou não soubesse o que dizer. Mas eu senti-me melhor do que nunca! O que ali tinha estado era mesmo eu. E eu só quero ser aquilo que sou. E no Fonte[i]ras 07 fui.”

Nascido em Lisboa, António Pedro é licenciado em Sociologia e estudou música na DrummersCollective, NY, em diversas escolas de Jazz e com músicos portugueses e estrangeiros (Zé Eduardo,Nuno Rebelo, John Riley, etc.). É baterista, percussionista, multi-instrumentista e compõe parateatro, cinema, vídeo e dança.

Dirigiu a banda performática Bigodes Band, inspirada na música de Nino Rota para Fellini, que actuou em festivais em Portugal, Espanha e Bélgica. Compôs, entre outros, para as companhias de dança belgas Compagnie Le Luxe (“La raine 27”) e Compagnie Sac a Dos (“Memoires d’une arbe”) e para a peça “Carrada de Bestas” do Teatro Regional da Serra de Montemuro. Actualmente dirige o seu projecto mutante de filmes-concertos DÛ, compõe a música da longa metragem “Águas Mil” de Ivo Ferreira.

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