Binaural / Nodar e
Associação Aldeias de Magaio
Apresentam:
Festival Vozes de Magaio
Abrigar e Transumar a Tradição Oral
22 e 23 Julho 2011
Freguesias de São Martinho das Moitas e de Covas do Rio
(concelho de S. Pedro do Sul, distrito de Viseu)
A voz é o principal instrumento da comunicação humana. A voz desenha e transmite conteúdos, cria relações entre sujeitos e pressupõe escuta e participação. A voz (a nossa e a dos outros) leva-nos para fora, liberta-nos do peso insuportável da repetição à qual de outra forma seriamos confinados. A voz é som, é símbolo de uma interioridade de outro modo inexprimível. A voz prepara o sentido do lugar onde a palavra se dirá.
A voz é uma força arquétipa, é uma imagem primordial dotada de um poderoso dinamismo criador. É o “lugar” onde a linguagem se articula, que vai além da voz, com toda a sua força existencial, materialidade e significado. “A voz é uma questão ainda não organizada, significante puro e livre que aponta, aludindo e acenando sem dizer. A voz diz-se no momento em que diz: é pura exigência. O grito inarticulado, o gemido puro, a vocalização sem palavras, o grito de guerra, são explosões do ser que se identifica com a sua própria voz: a voz é vontade de dizer e vontade de existir. “(Paul Zumthor)
Na região rural Portuguesa do maciço da Gralheira (Concelho de S. Pedro do Sul), composta por comunidades de montanha em que agricultura e pastorícia de subsistência eram as actividades dominantes, locais onde a electricidade e consequentemente a televisão chegaram há apenas cerca de 30 anos, todo o conhecimento e comunicação tinha como meio a voz humana. Esse facto por si só é suficiente para conferir uma riqueza densa a todo o discurso oral… a idiossincrasia, o desconcertante, o subliminar, os sotaques, aspectos que vão sendo cada vez mais estandardizados.
Estas aldeias rurais do concelho de S. Pedro do Sul, integradas desde há pouco tempo numa rede de aldeias – “Aldeias de Magaio”, ainda hoje mantêm traços dessa oralidade que se manifesta em todos os aspectos da vida prática, mental e espiritual:
A voz que reza e confessa
A voz que canta o divino
A voz que transporta a lenda
A voz que chama os animais
A voz que canta o ciclo da terra
A voz que canta à desgarrada
A voz que apregoa a mercadoria
A voz que convoca a comunidade
A voz que denuncia a condição
A voz que mantém o sotaque
A voz que perpetua o vocabulário
A voz que ecoa na paisagem
A voz que subverte o cânone
A voz que leiloa em dia de festa
A voz que sobe de tom com o vinho
A voz que repete a ladainha
A voz que embala a criança
A voz que evoca a divindade ancestral
O Festival Vozes de Magaio propõe colocar em diálogo todas as formas de património oral rural e formas artísticas contemporâneas centradas na voz, que trabalhem aspectos como a origem, o significado, as relações do sagrado (reconduzido ao seu significado e simbolismo ancestral de mistério e símbolo), a voz como elemento na base de rituais, costumes e superstições, capaz de encantar o ouvinte e de trazer mudanças profundas no real, nas comunidades e no território, a voz como protagonista de memórias, mitos, arquétipos, sabedoria popular transmitida ao longo dos séculos, ou ainda a voz quotidiana, ferramenta de trabalho e vida.
O festival irá desenrolar-se em três períodos distintos ao longo do ano de 2011, Maio, Julho e Setembro/Outubro, terá a presença de dezenas de artistas internacionais e locais e proporcionará um vasto programa de actividades dirigidas a públicos variados: concertos, mostras de vídeos, actividades ambientais, actividades de descoberta do património oral e musical local, bailes tradicionais, gastronomia, venda de produtos da terra e artesanato, etc.
As Residências Artísticas:
O principal núcleo do programa do festival consistirá na apresentação ao vivo de cinco projectos artísticos sonoros desenvolvidos ao longo do mês de Julho numa residência artística colectiva organizada pela Binaural/Nodar e que conta com a presença de sete artistas oriundos dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Taiwan e Austrália.
Esta residência artística coloca em contacto directo e profundo artistas de renome mundial com paisagens e comunidades muitas vezes esquecidas como Ameixiosa, Covas do Rio, Posmil, Sequeiros e Sá, para além de aldeias mais emblemáticas como Nodar, Rompecilha e Covas do Monte. Todas estas aldeias fazem parte das freguesias de Covas do Rio e de São Martinho das Moitas.
Descrevem-se de seguida os projectos artísticos e biografias dos artistas residentes:
Steve Peters (EUA):
Steve Peters propõe um trabalho sonoro combinando os seguintes elementos: gravações de campo de sons ambientais e do toque dos sinos das capelas, ambos captados na freguesia de São Martinho das Moitas; processamentos electrónicos de alguns desses sons; textos falados por habitantes que evocam a paisagem regional, constituídos por nomes de habitantes falecidos e nomes de plantas e animais locais, alguns cantados em latim. Esses vários elementos serão tecidos em conjunto para criar um retrato sonoro sugestivo da paisagem regional e da relação humana colectiva a esses lugares através da linguagem.
Biografia:
Steve Peters (n. 1959) faz música e som para uma grande variedade de contextos e ocasiões usando gravações de campo, objectos naturais e encontrados, electrónica, vários instrumentos musicais, e texto falado. Atento às nuances subtis da percepção e dos lugares, o seu trabalho muitas vezes é site-specific e tende a ser contemplativo. Steve Peters participa em projectos como membro da Seattle Phonographers Union, e também trabalha como produtor freelance, escritor e curador. Desde 1989 tem sido director de Nonsequitur, uma organização sem fins lucrativos que realiza eventos de música experimental e arte sonora, actualmente através do Ciclo de Música Wayward no Chapel Performance Space, em Seattle.
http://steve-peters.blogspot.com/
Joachim Montessuis & Gaël Segalen (França):
“Magaio Egregore” é uma criação sonora baseada na convergência das abordagens dos dois artistas: a gravação sonora de campo e o diálogo artístico de Gaël Segalen e a composição “trance” e performance de Joachim Montessuis. O objectivo deste projecto é revelar o “espírito do lugar”, um convite para criar um espírito de comunhão nesta área rural e expressar o que seria / poderia ser uma egrégora colectiva (egrégora: um conceito que se refere à constituição de um espírito psíquico colectivo a partir das energias geradas pela interacção de um grupo de pessoas). Para conseguir isso, os artistas propõem um processo de composição e de performance ao vivo com as vozes gravadas dos moradores de algumas das Aldeias de Magaio. Esta composição constituirá uma enorme polifonia dissonante, um quebra-cabeças colossal, uma litania profunda e ritualística, indo desde palavras semânticas até um composto sonoro fértil. A meta linguística do diálogo, os tesouros da língua, as expressões vernaculares locais, o fluxo contínuo de histórias infinitas estimuladas pelo microfone, irão todos alimentar a composição.
Biografias:
Gaël Segalen é uma artista sonora e organizadora oriunda de Paris. Grava sons de cenas desorientadas em muitas línguas para a construção de ficções vitais. Mais do que um testemunho, o microfone oferece um espaço de improvisação para pensar o novo. É também um pretexto para conhecer pessoas e encetar muitas conversas. Membro do Coletivo MU parisiense, colabora em projectos de passeios sonoros e instalações, realiza oficinas de som e ensina a ouvir e a experimentação sonora na ESEC, Escola de Estudos Cinematográficos em Paris.
Joachim Montessuis é um artista sonoro francês interessado na relação entre arte, som, ciência e espiritualidade. Desde 1993, tem vindo a desenvolver uma práxis transversal focada na poesia sonora, no processamento experimental da voz, num contexto de instalações-concertos imersivos. Os seus eventos ruidísticos são concebidos como espaços de pânico e poética nos quais podem ocorrer perturbação sensorial e embaraço. Já trabalhou em alguns dos principais centros de artes electrónica europeu (CICV, Fresnoy, V2_Lab, KHM) e suas performances ao vivo e instalações foram apresentadas em locais e festivais internacionais, incluindo DEAF, ISEA, ICA, Yerba Buena Center, em SF, Sónar, Elektra, Rio de Janeiro entre outros. É ainda o editor da Erratum, uma etiqueta de arte sonora francesa.
Dan Scott (Inglaterra)
Dan Scott propõe a criação de uma réplica sonora da aldeia de Covas do Rio. O trabalho será uma versão “cover” de um conjunto de gravações sonoras de campo efectuadas pelo artista na aldeia. A peça a ser apresentada será construída usando apenas as vozes da população local. A peça aborda questões da autenticidade do som, bem como explora a magia, mimética e simpática, inerente a uma versão ‘cover’. A voz humana é central para a peça, ao serem re-vocalizados os sons de uma aldeia, incorporando-os no espaço e humanizando-os.
Biografia:
Dan Scott é um artista sonoro baseado em Londres. Actualmente conclui um mestrado em Arte Sonora no London College of Communication. A sua formação original em Antropologia enformou grande parte da sua prática. O seu trabalho é muitas vezes site-specific, com base em narrativas locais, como forma de explorar formas imaginativas de escuta. Nos últimos cinco anos tem trabalhado e exibido por toda a Europa, incluindo a Tate Modern de Londres, Resonance FM, centro de residências artísticas Herhusid na Islândia, um edifício de apartamentos abandonado na Alemanha e uma pedreira de mármore em Portugal.
http://www.danscott.org.uk
Duncan Whitley (Inglaterra)
Sinopse: Um trabalho sonoro composto de aproximadamente 10 minutos de duração, apresentado como uma obra de quatro canais. O trabalho incide sobre as vozes de quatro pastores, gravadas no seu diário trabalho, orientando os animais de e para os campos a pastar.
Metodologia: O artista propõe trabalhar com quatro pastores, que serão equipados com equipamento portátil de gravação sonora. A ideia é gravar a voz dos pastores no seu trabalho de rotina, com a intervenção mínima do artista. A presença nas sessões de gravação será apenas necessária para a instalação e testes de equipamentos.
Abordagem conceitual: Duncan Whitley propõe este projecto como uma investigação criativa semi documentário autónomo, semi prática etnográfica. Enquanto o artista forma o resultado do trabalho através do processo de edição, está igualmente interessado em saber como o remover da sua mão enquanto documentarista / etnógrafo pode influenciar o tipo de material recolhido no trabalho de campo.
Biografia:
Duncan Whitley licenciou-se em Belas Artes na Universidade de Kingston (Grã-Bretanha), onde estudou entre 1996 e 1999, trabalhando quase exclusivamente em instalações sonoras. Nos anos seguintes o seu trabalho continuou a focar-se em intervenções “site specific”, produzindo um corpo de trabalho apresentado quer em espaços artísticos convencionais como em “espaços não artísticos” (desde ambientes domésticos, passando por apartamentos abandonados, até igrejas Anglicanas e estádios de futebol). A partir de 2004 a sua prática concentrou-se em gravações sonoras de campo estéreo e multi-canal, desenvolvendo um arquivo significativo de projectos na área da fonografia. O seu trabalho sonoro documenta os rituais associados a eventos sociais: as procissões altamente formais da Semana Santa em Sevilha; as dinâmicas dos adeptos em várias ligas do futebol Inglês e do futebol amador do Portugal rural; os processos de demolições controladas de edifícios de apartamentos em Inglaterra e na Escócia.
http://www.shotgunsounds.com/
12 Dog Cycle (Austrália / Taiwan)
Os artistas propõem criar uma re-imaginação da história e dos mitos locais através das mentes e vozes da sua juventude. A fonte dessas histórias serão os habitantes idosos da comunidade. As histórias serão partilhadas em grupo entre os contadores de histórias, os artistas e um grupo de crianças. Os sons das histórias serão o ponto de partida para uma oficina vocal de grupo, a qual culminará numa performance participativa.
Biografia:
Alice Hui-Sheng Chang (Taiwan) e Nigel Brown (Austrália) criam som e performance sob a designação de 12 Dog Cycle. Eles aliam as limitações da respiração da voz humana ao acordeão, estendendo a voz através de técnicas não convencionais e as propriedades acústicas do acordeão através de preparações, técnicas estendidas e manipulação electrónica ao vivo. Desde 2006, o trabalho em duo tem sido apresentado em festivais na Austrália, na Ásia Oriental, Europa e América.
http://www.myspace.com/12dogcycle
A participação de Nigel Brown é apoiada pelo Governo de Victoria (Austrália) através de Arts Victoria.
Programa
Sexta-Feira, 22 de Julho
21h30 – Baile Tradicional com Orquestra Finfas de Nespereira
Sede da Associação de Apoio à Comunidade de Sequeiros e Sete Fontes
Sequeiros, São Martinho das Moitas
Sábado, 23 de Julho
10h00 – Inauguração do Mercado Tradicional das Aldeias
Aldeias de Covas do Monte
10h00 – 12h00: Passeio Agrícola na Aldeia de Covas do Monte
Ponto de Encontro: Exterior do Restaurante da Associação dos Amigos de Covas do Monte
12h30 – 14h30: Almoço Tradicional na Aldeia de Covas do Monte
Restaurante da Associação dos Amigos de Covas do Monte
15h00 – 16h30: Tertúlia na Aldeia
À volta de pastores, cabras e lobos (com habitantes de Covas do Monte e técnicos do Grupo Lobo)
Largo Principal de Covas do Monte
17h00 – Apresentação de Obras Sonoras Realizadas na Freguesia de Covas do Rio
Restaurante da Associação de Amigos de Covas do Monte
Duncan Whitley (Inglaterra)
Dan Scott (Inglaterra)
19h00 – Pic-nic Aldeias de Magaio
Praia Fluvial de Nodar
Durante o pic-nic: Cantares ao Desafio por Paulo “Carvães” + amigos
Todos são convidados a trazer o seu farnel. Haverá vinho à discrição e peixe do rio Paiva
21h00 – Concerto de Obras Sonoras realizadas na Freguesia de São Martinho das Moitas
Praia Fluvial de Nodar
Joachim Montessuis / Gael Segalen (França)
12 Dog Cycle (Taiwan / Austrália)
Steve Peters (Estados Unidos)
Organização:
Binaural/Nodar
Associação Aldeias de Magaio
Financiamento:
Direcção Geral das Artes, Fundação Calouste Gulbenkian
Parceiros:
Câmara Municipal de São Pedro do Sul, CLDS S. Pedro do Sul – O Futuro é Aqui, Grupo Lobo, Associação de Apoio à Comunidade de Sequeiros e Sete Fontes, Associação dos Amigos de Covas do Monte, Restaurante Salva Almas, Adega Típica da Pena, comunidades de Covas do Rio, Covas do Monte, Ameixiosa, Sequeiros e Nodar.