ECOS DA IDA E DO RETORNO
Residência Artística
5 a 17 junho 2023
Município de Vouzela

Com: Lucía Chamorro (Uruguai), Ricardo Arbiza (Uruguai), Riikka Haapasaari (Finlândia), Silvia Angles (Argentina)

Organização: Binaural Nodar, em parceria com o Município de Vouzela e a Escola Profissional de Vouzela

Desde o final do século XIX até à atualidade, milhões de portugueses emigraram, procurando alternativas à pobreza, a uma economia de subsistência e/ou à falta de oportunidades de trabalho. Como tal, a emigração é simultaneamente parte da memória e do presente das regiões rurais portuguesas. Em cada aldeia coexistem múltiplas camadas temáticas que se relacionam com as distintas vagas de emigração, aquelas mais longínquas, para o Brasil, Venezuela, Estados Unidos da América, etc. ou aquelas mais próximas, para países europeus como a França, Alemanha, Suíça ou Luxemburgo.

De igual forma, muitas zonas rurais acolhem hoje pessoas originárias de outras paragens dos vários continentes, num processo em sentido contrário ao que encetaram tantos portugueses. O voo migratório pensado em termos histórico-sociais identificou origens, destinos, contextos, motivações e quantificou os fluxos dos que emigraram e dos que regressaram ou não.

Não obstante, existe um leque literalmente infinito de temas que é possível aprofundar quando se contacta diretamente com antigos e atuais emigrantes e com os seus descendentes, como a arquitetura, a economia, a língua, os sentidos de pertença e de inserção cultural dos que emigraram e dos seus descendentes, as perceções sobre a evolução dos lugares de destino e origem, o tipo de vinculação com o mundo rural, as narrações e os registos documentais familiares, a simbologia e semiótica afetiva, a gastronomia e tantos outros.

A Binaural Nodar, em colaboração com o Município de Vouzela, irá acolher a terceira residência artística do seu 17º programa anual em residências artísticas em artes sonoras e media, no âmbito da qual se desenvolverão três projetos artísticos que pensam e expressam aspetos relacionados com processos migratórios, históricos ou atuais, existentes no concelho de Vouzela.

Lucía Chamorro & Ricardo Arbiza (Uruguai)

Lucía Chamorro e Ricardo Arbiza propõem um projeto de criação e de investigação baseado na escuta do ambiente sonoro da zona de Vouzela, centrado no valor cultural dos movimentos migratórios. Os artistas trabalharão a partir de registos sonoros e audiovisuais e conversas com residentes locais para, posteriormente, proporem reflexões sobre diversidade, o património cultural e práticas de escuta. Para Lucía e Ricardo, trabalhar na área de arte sonora é um desafio, dada a predominância atual da cultura visual. Não obstante, a escuta é uma ferramenta importante quando queremos conhecer e valorizar a história e o património cultural de uma comunidade. Os processos e os resultados do projeto poderão ser compartilhados de maneiras diferentes, de acordo com os materiais gerados, podendo assumir a forma de instalação virtual e física, mapas sonoros, material audiovisual, textos, páginas web interativas, entre outros.

Lucía Chamorro é uma artista sonora, que trabalha em vários projetos de pesquisa relacionados com paisagens sonoras, em contextos onde coexistem diversas culturas, gerações, nacionalidades, religiões, classes sociais, memórias e atividades profissionais. Da diversidade de contribuições culturais surgem manifestações como o Flamenco, na Andaluzia (Espanha) onde a artista desenvolve um projeto em curso, no qual busca as sonoridades flamencas enquanto passeia pela cidade de Granada. Em 2013 Lucía Chamorro trabalhou no projeto “Paisaje Sonoro de la Laguna de Rocha”, uma área protegida no Uruguai, com uma grande riqueza de flora e fauna, onde famílias que trabalham na pesca artesanal, guardas florestais, pessoas que viviam na cidade e o “silêncio” coexistem.

Ricardo Arbiza é um artista interdisciplinar, movido pelo desejo de criar novas experiências, tecendo camadas espaciais invisíveis entre a interação humana e o seu contexto físico. Como compositor-performer, ele trabalha de maneiras criativas para envolver o público por meio do espaço ciberfísico, usando Arduino, Raspberry Pi, navegadores Web, aplicativos para telemóvel, bibliotecas JavaScript, experiências de realidade virtual, discos de vinil, fitas de cassete, assim como o uso de instrumentos acústicos e eletroacústicos. Atualmente, e em conjunto com a Universidade de Nova Iorque, Ricardo Arbiza trabalha como pesquisador no projeto “Recuperação e reconstrução histórica da paisagem sonora do antigo Frigorífico Anglo”, lugar denominado a cozinha do mundo durante a Segunda Guerra Mundial, já que produzia e exportava para todo o mundo carne enlatada de bovino. Naquele lugar, a equipa do projeto procura entender os eventos históricos, económicos e sociais das “paisagens da revolução industrial” no Uruguai.

Riikka Haapasaari (Finlândia)

Riikka Haapasaari propõe explorar como os processos migratórios mudam o tecido cultural e a acústica da paisagem e do ambiente onde a migração acontece, efetuando uma abordagem a partir do som e da matéria. Quando algo ou alguém sai ou é levado para outro lugar, um espaço, literal ou figurativo, permanece – pelo menos durante algum tempo. Esse lugar poderá ser “preenchido” mais tarde, mas, num primeiro momento, é a acústica (literal ou figurativa) do local que mudam. A artista colaborará com os locais para encontrar esses tipos de lugares e para trabalhar numa peça audiovisual que seja inspirada ou que torne visível a mudança da paisagem.

Riikka Haapasaari é uma artista e cineasta que trabalha com a luz e com o tempo com o objetivo de narrar o invisível e o intangível. Atualmente, está focada na utilização de materiais como o vidro para gerar diferentes e curiosos pontos de vista sobre o que significa ser humano, trabalhando numa perspetiva interdisciplinar entre o artesanato, o cinema e as artes plásticas, Haapasaari desenvolve formas de integrar processos artesanais tradicionais, como a fabricação de vidro, na produção de projetos de imagens em movimento. Em 2021, Haapasaari doutorou-se pela University of Sunderland e, antes disso, obteve um mestrado pelo Royal College of Art (2014) e uma licenciatura pela Aalto University (2012). Haapasaari apresenta o seu trabalho globalmente em exposições e festivais. Representou a Finlândia no European Glass Contest em 2021 com “Light Keeper”, uma longa-metragem experimental que produziu em 2020. Recentemente, essa longa-metragem recebeu uma Menção Honrosa no Fórum Experimental (2021), venceu a categoria de filme experimental no Festival Internacional de Cinema da Polónia (2020) e a artista foi nomeada na categoria de melhor realizadora no Alternative Film Festival Toronto (2020).

Silvia Angles (Argentina)

Sendo neta de um imigrante catalão e de um imigrante checo e bisneta de imigrantes italianos e suíços, Silvia Angles cresceu num contexto familiar onde os processos migratórios deixaram marcas profundas. A nostalgia talvez seja um traço distintivo comum que marca milhares de famílias argentinas. Se hoje é possível perpetuar algo dessa herança miscigenada, a prática da “cozinha ancestral” é aquela que une diferentes gerações e tradições. Muitas das receitas das avós imigrantes foram incorporadas em cadernos de receitas que as famílias preservam como um precioso património, onde a ‘nostalgia’ inicial pode agora ser transformada em alegria e em partilha. Este projeto trata da documentação de receitas culinárias e do registo sonoro quer da descrição das receitas por residentes da zona de Vouzela, quer dos sons produzidos aquando da confeção e da partilha das refeições. A documentação gravada terá um posterior tratamento com fins artísticos.

Silvia Angles é uma pianista e experimentalista de Río Tercero, Córdoba (Argentina) e tem trabalhado no campo da música contemporânea, participando enquanto intérpetre/compositora e também enquanto organizadora de ciclos e encontros musicais. Nos últimos anos, entre outros projetos e sob o pseudónimo ´sianglés´, tem produzido várias sonomontagens conceptuais – algumas com versões em vídeo -, e forma o duo de improvisação livre AK (Angles-Kaegi) o qual, para além de piano e trompete, usa voz, objetos, gravações de campo, samples e processos eletroacústicos. Silvia Angles também desenvolve um projeto de estudo e gravação de paisagens sonoras intitulado “La Vida Que Sueno” (“A vida Que Soo”).