G.D Parada

Um projecto sonoro centrado na actividade de um pequeno clube de futebol amador, Grupo Desportivo de Parada, na pequena aldeia de Parada de Ester (Castro Daire, Portugal). OG.D. Parada constitui um motivo de orgulho local por jogar na Divisão de Honra da Associação de Futebol de Viseu. O projecto procurou investigar aquilo que o G.D. Parada representa para a comunidade local, através da realização de trabalho com paisagens sonoras detalhadas que envolveram a equipa, quer nas sessões de treinos quer em competição. O registo das sessões de treino envolveu uma série de técnicas de gravação sonora de campo, estéreo e multicanal, de forma a ser captados os sons das jogadas estudadas e dos exercícios. O projecto teve uma primeira residência em Outubro 2008,cujos resultados preliminares foram apresentados no bar do G.D. Parada na forma de uma instalação sonora e vídeo, a qual precedeu um intenso jogo com a equipa rival do Lamelas. Na segunda residência foram efectuados registos sonoros e vídeos adicionais e será preparada uma instalação sonora e vídeo multicanal final a ser apresentada em espaços expositivos de arte contemporânea. O projecto foi concebido como uma modesta fase de investigação/trabalho que pudesse ser realizada no âmbito de uma residência de quatro semanas na Binaural/Nodar em Setembro de 2008. Há alguns anos, eu tinha já pesquisado e trabalhado com aspectos sonoros das multidões no futebol através de gravações multi-canal com microfones binaurais, e ainda me encontro a desenvolver um trabalho sonoro importante para um estádio de futebol. O problema é que isto demora algum tempo: os clubes de futebol nas primeiras ligas do campeonato de futebol da Inglaterra são entidades com numerosos interesses económicos, para não falar que são, compreensivelmente, proteccionistas nas suas relações públicas. O G.D. Parada constituiu uma oportunidade para investigar alguns dos meus interesses fundamentais no futebol, o local e o som, numa escala diferente e num contexto diferente. A maioria dos meus trabalhos mais recentes têm em comum um processo de gravação sonora de campo (“feld recording”) e de arquivo de forma a explorar actividades ritualizadas ou eventos, sejam eles sociais, religiosos ou outros. E em todo esse trabalho os aspectos formais de como apresentar trabalhos com som gravado formam uma linha central da minha investigação crítica. Sendo o futebol amador em Portugal, nomeadamente nas zonas rurais, um mundo considerado pobre, pouco nobre, com actores de qualidade duvidosa, sem infra-estruturas, julgo que este projecto pode trazer uma imagem mais matizada, delicada, que pode nem sempre estar de acordo com este tipo de ideias generalizadas sobre um local ou uma arena social. Torna-se mais interessante quando começamos a observar ou ouvir os detalhes. A importância do futebol e a paixão pelo mesmo que observei nas pessoas ligadas ao G.D.  Parada impressionou-me imenso. Eles não são menos sérios com o seu trabalho do que eu sou com o meu. Inicialmente, eu estava interessado nos tipos de relações que podem ser revelados entre os adeptos e o clube. Essa dialéctica particular tinha sido uma característica que borbulhava sob a superfície do meu projecto anterior “My Only City”, que documentouos últimos jogos do Coventry City FC no seu estádio de Highfeld Road, durante o que acabou por ser uma temporada difícil e nas vésperas da mudança do clube para longe de “casa”, para um novo estádio fora da cidade. Na verdade, o que se tornou rapidamente evidente ao trabalhar no Parada, particularmente nas suas sessões de treino, foi que as relações entre o “staf” e os jogadores eram fundamentais para o carácter e a imagem do clube. A relação entre o clube e adeptos parece ter um papel menor, embora a venda de bilhetes deva pelo menos suportar uma pequena parte das finanças do clube.

Julgo que o sentido do clube de “aguentar-se acima das suas capacidades” na primeira divisão da região, com recursos muito limitados, é um facto muito interessante que observamos quando nos posicionamos no interior do clube e ouvimos as pessoas. A minha abordagem foi a de explorar a forma como a gravação sonora poderia revelar as relações entre jogadores, equipa técnica e o local, por exemplo, que fazem o clube ser o que é. O trabalho de campo foi realizado em dois momentos, de um mês de residência cada, com um ano de intervalo. Desde o começo, o “staf” e os jogadores estiveram muito receptivos à nossa presença entre eles, e julgo que eles tinham uma espécie de respeito e curiosidade com o que estávamos a fazer. Na segunda residência (em 2009), talvez por causa do interesse que eu lhes tinha mostrado em voltar e continuar o trabalho com eles, tivemos muito mais interacção com a equipa técnica e os jogadores o que permitiu um tipo de trabalho diferente. Nós, por exemplo, efectuámos gravações vídeo das partidas a pedido do treinador, tendo sido um recurso de análise dos jogos que talvez ele não tivesse sido capaz de usar anteriormente. Conduzimos algumas entrevistas muito interessantes, especialmente com o capitão da equipa e com o treinador, e estas alteraram o foco do projecto, porque o material estava a tornar-se consideravelmente matizado. No final, estamos à procura de uma moeda de troca, para lá do material que se pretende recolher para um projecto, por isso a troca em si mesma pode ter tanto valor como o que será mais tarde apresentado numa galeria. Todas as sessões de gravação foram realizadas com dois microfones estéreo, em várias confgurações da relação espacial entre ambos e de acordo com a natureza dos exercícios de treino que estávamos a gravar. Há sempre, portanto, duas perspectivas gravadas bastante distintas, mas que estão claramente relacionadas.

Na edição para a instalação sonora que teve lugar no Museu de Serralves (Porto, Portugal), eu tentei manter este sentido das duas perspectivas distintas utilizando dois conjuntos de altifalantes estéreo, mas também para criar um espaço coerente entre elas. Neste sentido,estou a tentar, formalmente, criar duas imagens estéreo distintas na instalação, mas no processo tento (re)criar um espaço de imersão entre elas no qual o público pode navegar. Este espaço envolvente é a parte mais difícil de acertar, necessita de muita edição para chegar a algo realista. Ao usar mais do que uma posição de microfone, mais do que uma perspectiva, signifca que podemos captar o detalhe das coisas que acontecem simultaneamente em espaços diferentes. Isso oferece-nos algumas possibilidades excelentes também em termos de movimento e, uma das coisas que me propus fazer, foi tentar captar o sentido da coreografa que podemos observar no jogo de futebol. Estou interessado nos aspectos formais de apresentar o som gravado. Na maioria dos meus projectos multi-canal recentes tenho explorado as relações entre o “espaço gravado” (a sensação de espaço que está codifcada numa gravação sonora),o espaço da instalação em que a gravação é reproduzida e o espaço em que a gravação foi feita originalmente. Até agora, isso signifcou usar o mesmo número de canais na gravação e na reprodução. Tenho estado a testar várias soluções diferentes e julgo que esta é uma área muito fértil em termos de uma estética “realista”. O vídeo a ser incluído no trabalho final de “G.D. Parada” forma,sobretudo, uma camada adicional de informação que muda as maneiras como o som pode ser “lido”.

Julgo que essa informação pode fornecer pistas que nos podem ajudar a focalizarmo-nos no acto de escuta e permitir que o som ressoe, num sentido metafórico.Também estou a transcrever as gravações dos diálogos das sessões de treinos em texto, oque, por sua vez, é uma forma de focar a atenção sobre certos tipos de detalhes. Finalmente, é importante mencionar o papel da equipa de acolhimento nas várias fases domeu projecto. Na sequência das minhas investigações iniciais, foi a equipa da Binaural/Nodar que identifcou o Grupo Desportivo de Parada como potenciais colaboradores do projecto. Portanto, a Binaural/Nodar tinha já preparado algum trabalho antes da minha chegada, no que diz respeito ao trabalho com o clube de futebol. O seu contributo no sentido de me ajudar a entender o contexto mais alargado no qual este clube de futebol se insere foi importante para o projecto. Este nível de apoio esteve presente ao longo das duas residências, e o processo foi bastante interactivo entre nós. A Binaural/Nodar tem um conhecimento intrínseco da região e uma paixão por conhecer melhor estes lugares, o que torna este tipo de projectos possível, mesmo num curto período de tempo.Além disso, e como complemento ao papel mais óbvio como mediador do projecto, o Luís Costa (coordenador da Binaural/Nodar) também trabalhou comigo como assistente de captação sonora em cada uma das sessões de gravação. Como resultado, ele esteve muito “inserido” no projecto, e eu julgo que isso demonstra algo sobre um desejo de realmente entender o processo artístico.

Duncan Whitley licenciou-se em Belas Artes na Universidade de Kingston, onde estudou entre 1996 e 1999, trabalhando quase exclusivamente em instalações sonoras. Nos anos seguintes o seu trabalho continuou a focar-se em intervenções “site specific”, produzindo um corpo de trabalho apresentado quer em espaços artísticos convencionais como em “espaços não artísticos” (desde ambientes domésticos, passando por apartamentos abandonados, até igrejas Anglicanas). A partir de 2004 a sua prática concentrou-se em gravações sonoras de campo estéreo e multi-canal,desenvolvendo um arquivo significativo de projectos na área da fonografia. O seu trabalho sonoro documenta os rituais associados a eventos sociais: as procissões altamente formais da Semana Santa em Sevilha; as dinâmicas dos adeptos em várias ligas do futebol Inglês; os processos de demolições controladas de edifícios de apartamentos em Inglaterra e na Escócia.

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