Exposição “Viseu Rural 2.0: [Re]expressar o rural” inaugura no dia 14 de dezembro às 15h00, na Casa de Lavoura – Oficina do Linho de Várzea de Calde (Junta de Freguesia de Calde, Município de Viseu), ficando patente até ao final de agosto de 2018.

“Viseu Rural 2.0: [Re]expressar o Rural”
Exposição Etnográfica Multimédia
De 14 Dezembro 2017 a 31 Agosto 2018
Inauguração: 14 de Dezembro às 15h00

Local:
Casa de Lavoura e Oficina do Linho | Museu Etnográfico
Calçada do Eiró, Nº18 Várzea
3515-758 Calde

CO-ORGANIZAÇÃO
Binaural Nodar (Viseu Rural 2.0)

Município de Viseu (Casa de Lavoura e Oficina do Linho)

Parte do projeto Creative Europe Réseau Tramontana.

APOIOS
Junta de Freguesia de Calde

CURADORIA DA EXPOSIÇÃO:
Luis Gomes da Costa

CONCEÇÃO DO ESPAÇO EXPOSITIVO:
Liliana Silva e Raquel Greenleaf

DESIGN GRÁFICO E COMUNICAÇÃO:
Liliana Silva

PRODUÇÃO:
Diana Silva

COM OBRAS DE:

Alma Sauret (França) / David Prior (Inglaterra) / Frances Crow (Inglaterra) / João Farelo (Portugal) / Luís Costa (Portugal) / Manuela Barile (Itália) / Nacho Muñoz (Espanha)

A Exposição “Viseu Rural 2.0: [Re]expressar o Rural” está integrada no projeto da Binaural/Nodar, cofinanciado pelo Município de Viseu no âmbito do programa Viseu Terceiro e pela Comissão Europeia, no âmbito do projeto Europa Criativa (rede Tramontana), constituindo o resultado final de três anos de intervenção numa parceria extremamente ativa com o Casa de Lavoura e Oficina do Linho de Várzea de Calde e com a Junta de Freguesia de Calde, a qual se materializou em dezenas de recolhas videográficas e sonoras ligadas ao ciclo do linho, realizadas com habitantes locais, e a diversos trabalhos agrícolas e profissões tradicionais, numa série vasta de captações de paisagens sonoras da ruralidade da freguesia, no acolhimento de várias obras criativas desenvolvidas na freguesia por artistas nacionais e estrangeiros e a cerca de vinte ações educativas de descoberta sonora do espólio da Casa de Lavoura e Oficina do Linho.

O projeto Viseu Rural 2.0 iniciou a sua intervenção em 2015 e tem este ano a sua terceira edição, sendo caracterizado por uma grande diversidade de encontros com a população das freguesias rurais de Viseu, ações educativas, encontros intergeracionais de ativação da memória, residências artísticas, criações sonoras e media, documentação e arquivo numa plataforma web específica, concurso internacional de música eletroacústica baseado no arquivo e exposições sonoras e multimédia. A essência do projeto Viseu Rural 2.0 está relacionada com uma proximidade quotidiana e não esporádica com as populações do mundo rural, aspecto que caracteriza desde há mais de uma década o trabalho da Binaural/Nodar, atuando a associação com uma empatia muito especial com esse mundo, a que não é alheio o facto de a direção da associação ser composta por filhos do rural que documentam e expressam a sua própria herança, enquanto legado inovador e contemporâneo, não saudosista nem fechado ao mundo.

A Exposição “Viseu Rural 2.0: [Re]expressar o Rural” é composta por dois núcleos principais de obras: por um lado um conjunto de obras sonoras e videográficas que passarão a fazer parte do espólio permanente da Casa de Lavoura e Oficina do Linho, dado que complementam e acrescentam novos significados, sensorialidade e interatividade (por exemplo, sonora) a esse espólio permanente e, por outro, numa série de criações artísticas contemporâneas especificamente concebidas por artistas nacionais e com base no riquíssimo património da freguesa de Calde.

1. Obras concebidas para a coleção permanente da Casa de Lavoura e Oficina do Linho:

Binaural/Nodar (PT):

“O Toco de São Francisco” (2017) (instalação sonora)

Uma evocação sonora, simultaneamente da importância dos carros de vacas os quais eram, até há décadas atrás, o principal meio de transporte de carga agrícola das aldeias beirãs, e também à festa tradicional da aldeia de Várzea de Calde, o “Toco de São Francisco”, um ancestral ritual de iniciação, em que dezenas de jovens rapazes mancebos iam, pelo fim da tarde do dia 3 de Outubro de cada ano, cortar árvores ao monte sem os donos saberem, para as colocarem num carro de vacas e arrastarem eles próprios esse mesmo carro cheio até ao largo da capela de São Francisco, onde acendiam uma enorme fogueira e, entre comida e bebida, conviviam pela noite fora. Ainda hoje este ritual é praticado, com algumas adaptações, decorrentes da passagem do tempo e da existência de menos jovens na aldeia.

Gravado no dia 3 de Outubro de 2016 por Luís Costa

“O Ferreiro de Paraduça” (2017) (instalação audiovisual)

Uma entrevista e demonstração com o último ferreiro forjador da Freguesia de Calde, senhor César de Almeida Vilar, habitante da aldeia de Paraduça. Um artífice, filho e neto de ferreiros, que ainda trabalha o ferro ou outros metais, forjando-o, isto é, moldando-o a quente ou a frio com a finalidade de lhe dar a forma do objeto pretendido (enxadas, arados, sacholas, foices, gadanhas, ferraduras, aros de rodas de carros de vacas etc.). Daí a expressão ferro forjado ou batido para o objeto que foi elaborado pelo ferreiro forjador. Ainda se usa nesta forja de Paraduça o processo milenar de redução direta do minério por meio de carvão vegetal num forno de pequenas dimensões. Este forno possui cerca de um metro de altura, onde o ar é soprado por meio de um fole de couro, acionado neste caso por tração manual, mas que podia ser noutros casos de tração hidráulica ou animal.

Gravado no dia 09 de Junho de 2017 por Luís Costa

“Fogo Lento” (2017) (instalação sonora)

A cozinha tradicional beirã era o verdadeiro epicentro da vida comunitária noturna das aldeias, particularmente durante o inverno. Um chão de terra, um forno para cozer o pão ou assar alguma carne, um conjunto de panelas de ferro de várias dimensões, todas com três pés, usadas no chão e com fogo acionado com caruma, pinhas e lenha do monte. Vários bancos e banquetas rodeavam a fogueira, para a família e amigos se aquecerem. Durante a semana, sendo pouca a fartura, bastava um caldo de cebola, couves com feijões, de vez em quando acompanhadas de um pouco de carne de porco, toucinho ou, quando havia mais sorte, uma chouriça de carne ou de sangue. A cozinha liga-se ainda de forma direta ao ciclo do linho, já que era nessas mesmas cozinhas, nas longas noites de inverno, que as mulheres fiavam os fios de linho com as suas rocas e fusos, enquanto trocavam impressões, cantavam ou relembravam histórias antigas de habitantes idos nas brumas do tempo.

“Fogo Lento” recria sonoramente uma cozinha tradicional da aldeia de Várzea de Calde de há 50 ou 60 anos, acrescentando assim significados e sensorialidades adicionais às peças e mobiliário que compõem a sala da cozinha da Casa de Lavoura e Oficina do Linho.

Composição de Luís Costa a partir de gravações efetuadas entre 2015 e 2017 em Várzea de Calde

“Várzea de Calde, uma aldeia tecida a linho” (2017) (documentário)

Entre a miríade de aldeias que compõem uma freguesia, um concelho ou uma região, algumas destacam-se por determinadas características, não obstante a cultura similar que partilham. Uma aldeia com o rio Vouga aos pés e com vastas zonas solarengas para secar os cereais, justamente denominada Várzea de Calde, tem desde tempos imemoriais as características ideais para o cultivo do linho. Por outras palavras, entre outros fatores, é a própria geomorfologia da paisagem que induz a especialização de algumas aldeias em algumas artes e tradições. Este documentário, baseado em recolhas efetuadas em 2016 e 2017, acompanha, em paralelo, a arte do ciclo do linho e a história de vida do conjunto de mulheres que a ela se dedica atualmente em Várzea de Calde. Um palimpsesto de paisagens, saberes, labores e memórias de bravas mulheres que não desistem em continuar uma tradição que define literalmente uma aldeia.

Duração: 15 minutos (versão curta).
Realização: Luís Costa
Investigação etnográfica: Luís Costa
Recolhas videográficas: Luís Costa e Manuela Barile
Recolhas sonoras: Luís Costa e João Farelo
Pós-produção áudio e vídeo: Luís Costa

“Vento, água, terra” (2017) (instalação sonora)

Todo o contexto da aldeia de Várzea de Calde não existiria sem um conjunto de elementos primordiais da natureza que dão vida e que alimentam a atividade humana. “Vento, água, terra” é pois um elogio a essas forças, presentes deste o início dos tempos, na forma de uma composição sonora que condensa os múltiplos matizes naturais que envolvem a aldeia, a qual tem igualmente a função de boas vindas aos visitantes da exposição.

Composição sonora de Luís Costa, a partir de recolhas efetuadas na aldeia de Várzea de Calde entre 2015 e 2017.

“Concerto para teares” (2017) (instalação audiovisual)

O processo do linho termina no tear, autêntica tela criativa e de necessidade dos antigos e, simultaneamente, prova final de que a magia de todo um longo e árduo processo é concluída com tecidos que servem para múltiplos fins. No entanto, cada tear é, ao mesmo tempo, único. Não existem dois iguais, pois são construídos de acordo com os espaços e com as vontades das tecedeiras e soam diferente consoante as mãos que os manobram. Este “concerto para teares” é pois uma homenagem sonora e visual à apropriação por cada família dos teares do linho de Várzea de Calde.

Composição audiovisual de Luís Costa, a partir de recolhas efetuadas junto das tecedeiras de Várzea de Calde entre 2015 e 2017.

2. Obras Contemporâneas baseadas no património da freguesia de Calde:

Manuela Barile (IT)
“O Sacrário do Milho Milagroso” (2017) (instalação artística)

Construídos geralmente em madeira e pedra e colocados em cima de grandes e altos pilares, os canastros representam verdadeiras obras de arte popular com elevada carga mágica e simbólica. São sacrários onde, na península ibérica, o povo guardava o milho, alimento essencial para os homens e os animais para o ano inteiro e, como tal, antigamente era sinalizado com uma cruz que abençoava, protegia e resguardava o milho da maldição. Hoje em dia os canastros estão a ficar cada vez mais vazios, devido à industrialização do processo do cultivo do milho e do abandono das aldeias. O tempo passa inexorável pelas terras isoladas. O milho parece condenado a perder a sua casa sagrada para sempre. Mas não há lamentação. Dentro de nós vai ficar a memória, a lembrança, o sinal, o emblema do milho. Dentro dos canastros a presença deste milho milagroso que iluminou as gerações passadas, continuará a iluminar as gerações futuras com novas formas e significados.

Manuela Barile. Diretora Artística da Binaural/Nodar. Artista intermedia italiana que vive no distrito de Viseu desde 2006. Desenvolve projetos baseados em lugares de regiões rurais trabalhando em estreito contato com os habitantes e levando em conta aspectos específicos dos territórios como a sua geografia, memória, arquitetura, simbolizações e rituais depositados como sinais indeléveis no solo. Com formação em performance vocal e criação audiovisual, encetou em 2000 um percurso pessoal com apresentações um pouco por toda a Europa. Sobre o seu trabalho foi publicado pelas Edições Nodar em 2014 o catálogo + DVD “O Sentido da Dor: Duas Obras de Manuela Barile”, com textos próprios e de curadores, antropólogos e teólogos.

João Farelo (PT) + Alma Sauret (FR) + Luís Costa (PT)
“O tear mudo” (2016) (instalação sonora + fotografia)

“O tear mudo” é uma performance sonora e musical junto a um velho tear já sem uso, esquecido num anexo no Largo de São Francisco em Várzea de Calde. Luís Costa e João Farelo manipularam objetos encontrados no anexo (ferramentas, peças de vestuário, armários, bancos de madeira, etc.) enquanto Alma Sauret improvisou com o seu saxofone alto, criando-se assim uma elegia musical para um tear que encerra longas memórias de todas as peças que nele se teceram ao longo de décadas, quiçá por mais de um século.

Alma Sauret (n. 1993 em Valence, França) é uma jovem artista sonora e de música contemporânea experimental. Ela explora várias abordagens patafísicas na música e no som. Presentemente está a terminar a sua dissertação do Mestrado de Arte na Escola de Arte e Design e de Grenoble, França, no âmbito do qual desenvolveu um corpo importante de obras musicais/sonoras.

João Farelo (n. 1981) é um artista sonoro e visual português, com grau de mestrado em artes visuais intermedia obtido pela Universidade de Évora tendo a sua dissertação sido orientada por Pedro Portugal. O seu trabalho artístico tem procurado o encontro entre os seguintes focos de interesse: caminhada, invisível, silêncio, viagem; e devir de elementos do território e da paisagem.

Luís Costa (n. 1968) é o coordenador da Binaural/Nodar (Viseu Dão Lafões, Portugal) e um investigador e educador sonoro que busca nas suas obras sentidos de questionamento e perplexidade decorrentes da passagem da ancestralidade à modernidade em contextos rurais ou industriais. “Memória Sonora da Cortiça”, “Concerto para Clarinete e Nodar”, “São Pedro do Sul: Novas Escutas Rurais”, “La Tradition Balbutiée”, “Campanologias Beirãs” ou “Lendas Sonoras de Lafões” são algumas das suas obras sonoras, publicadas em livro, CD ou online ou exibidas em contextos de concertos, instalações sonoras e multimédia um pouco por toda a Europa.

David Prior (GB) + Frances Crow (GB)
“To Intercession” (“Intercessão”) (2015), Instalação Sonora

Os sinos têm um estatuto único entre os objetos sonoros construídos pelo homem. Não só são uma das nossas primeiras classes de instrumentos, como o seu uso e influência atravessa quase todas as culturas e, em muitas deles, o sino continua a ser um ícone sonoro duradouro e significativo, tanto na vida religiosa como cívica de hoje. Tal como as orações são inscritas no metal dos sinos, sendo lançadas para o céu quando estes são tocados, também os sinos foram entendidos desde a igreja primitiva para representar a voz de Deus. Em “To Intercession” as vozes das mulheres entrevistadas pela Binaural/Nodar na Paróquia de Calde (concelho de Viseu) transmutam-se em tons de sino, os quais são reproduzidos através de quatro pequenas colunas montadas em barras de latão – minúsculos transdutores, mediando um tipo de energia noutro.

Liminar é uma parceria entre a arquiteta Frances Crow e artista sonoro e compositor David Prior. Começaram a trabalhar juntos em 1996 e formalizaram a sua parceria de trabalho em 2003. O seu trabalho centra-se na exploração da relação entre som, escuta e meio ambiente. Começando com uma residência com Binaural / Nodar em 2013, os artistas realizaram uma série de trabalhos que exploraram diferentes aspectos dos sinos e da sua relação com a cultura. Em “Desta Paróquia” – uma instalação e uma curta metragem – centraram a sua atenção no papel que os sinos desempenham na formação do território e na noção de paróquia como zona de proteção e de jurisdição definida pelo som. Em “Report” e “289ms Away” centraram-se no papel dos sinos para a nossa percepção do tempo. Mais recente- mente, com a sua peça “Transient Parish”, criaram uma torre de sino temporária, criando uma paróquia para o período de apenas um dia.

Nacho Muñoz (ES)
“Novos Cantares de Várzea de Calde” (2016) (instalação sonora + fotografia)

Novos Cantares de Várzea de Calde é o resultado de uma residência artística do compositor galego Nacho Muñoz, o qual procurou criar uma síntese improvável entre as cantigas tradicionais ligadas ao ciclo do linho interpretadas pelo Grupo Etnográfico de Trajes e Cantares do Linho de Várzea de Calde e a introdução de dois tipos de elementos não disruptivos: por um lado, sons electrónicos interpretados pelo autor e, por outro, sons de percussão executados pelas cantoras do grupo tradicional com auxílio de objetos variados de uso comum. O resultado final constituiu um exercício de hibridismo musical, num instável equilíbrio entre tradição e contemporaneidade.

Nacho Muñoz é um músico, pianista e compositor galego que trabalha há longos anos nos campos da arte sonora, ópera, performance, sistemas interativos e som no espaço público. Vários dos seus trabalhos musicais publicaram-se nas editoras Alg-a Label (Galiza), Crónica Electrónica (Portugal), Xylem Records (Reino Unido), Modisti (Espanha) e Haze (Grécia), tendo apresentado as suas obras em palcos da Europa, África e América Latina. está ligado ainda à rede de artistas Alg-a, à Orquestra de Música Espontânea da Galiza (OMEGA) e foi diretor do Centro de Residências Artísticas Alg-a Lab em Vigo.