MAGAIO VOICESCAPES
A voz rural: sacralidade, ócio e trabalho

Programa de Residências Artísticas de Nodar para 2011

 

Disciplinas Artísticas:

Poesia Sonora; Performance Vocal; Arte Sonora; Fonografia; Composição / Improvisação Acústica, Electroacústica ou Electrónica; Arte Rádio; Vídeo Performance


1. Enquadramento

A voz é o principal instrumento da comunicação humana. A voz desenha e transmite conteúdos, cria relações entre sujeitos e pressupõe escuta e participação. A voz (a nossa e a dos outros) leva-nos para fora, liberta-nos do peso insuportável da repetição à qual de outra forma seriamos confinados. A voz é som, é símbolo de uma interioridade de outro modo inexprimível. A voz prepara o sentido do lugar onde a palavra se dirá.

A voz é uma força arquetípica, é uma imagem primordial dotada de um poderoso dinamismo criador. É o “lugar” onde a linguagem se articula, que vai além da voz, com toda a sua força existencial, materialidade e significado. “A voz é uma questão ainda não organizada, significante puro e livre que aponta, aludindo e acenando sem dizer. A voz diz-se no momento em que diz: é pura exigência. O grito inarticulado, o gemido puro, a vocalização sem palavras, o grito de guerra, são explosões do ser que se identifica com a sua própria voz: a voz é vontade de dizer e vontade de existir. “(Paul Zumthor)

Na região rural Portuguesa do maciço da Gralheira, onde se situa Nodar, composta por comunidades de montanha em que agricultura e pastorícia de subsistência eram as actividades dominantes, locais onde a electricidade e consequentemente a televisão chegaram há pouco mais de 20 anos, todo o conhecimento e comunicação tinham como meio a voz humana. Esse facto por si só era suficiente para conferir uma riqueza densa a todo o discurso oral… a idiossincrasia, o desconcertante, o subliminar, os sotaques, aspectos que vão sendo cada vez mais estandardizados.

Estas aldeias rurais, integradas desde há pouco tempo numa rede de 15 aldeias – “Aldeias de Magaio”, ainda hoje mantêm traços dessa oralidade que se manifesta em todos os aspectos da vida prática, mental e espiritual:

A voz que reza e confessa
A voz que canta o divino
A voz que transporta a lenda
A voz que chama os animais
A voz que canta o ciclo da terra
A voz que canta à desgarrada
A voz que apregoa a mercadoria
A voz que convoca a comunidade
A voz que denuncia a condição
A voz que mantém o sotaque
A voz que perpetua o vocabulário
A voz que ecoa na paisagem
A voz que subverte o cânone
A voz que leiloa em dia de festa
A voz que sobe de tom com o vinho
A voz que repete a ladainha
A voz que embala a criança
A voz que evoca a divindade ancestral

Os projectos artísticos seleccionados estão centrados na voz, que trabalhem aspectos como a origem, o significado, as relações do sagrado (reconduzido ao seu significado e simbolismo ancestral de mistério e símbolo), a voz como elemento na base de rituais, costumes e superstições, capaz de encantar o ouvinte e de trazer mudanças profundas no real, nas comunidades e no território, a voz como protagonista de memórias, mitos, arquétipos, sabedoria popular transmitida ao longo dos séculos, ou ainda a voz quotidiana, ferramenta de trabalho e vida.

Magaio Voicescapes inclui uma série de residências artísticas a decorrer entre Maio e Outubro de 2011 em interacção com o contexto de cada uma das 15 aldeias rurais do maciço da Gralheira, aquelas que compõem a rede das “Aldeias de Magaio”: Nodar, Sequeiros, Sete Fontes, Rompecilha, Macieira, Aldeia, Leirados, Fujaco, Candal, Póvoa das Leiras, Covas do Rio, Covas do Monte, Pena, Manhouce e Vilarinho.

Cada projecto terá ainda como produto final uma composição sonora / musical de 10 minutos (com o objectivo de edição de um CD duplo final), isto para além de outros elementos que dele possam fazer parte (composições adicionais, performances, instalações, etc.).

Os trabalhos desenvolvidos serão apresentados ao público no final de Maio, Julho e Setembro 2011, no âmbito de um evento – Festival Vozes de Magaio – que incluirá concertos, exibição de vídeos, conferências, passeios sonoros e apresentações ligadas à tradição oral e musical local.