Nodar: Notas históricas

Enquadrada pela serra do Montemuro a Norte, pelo maciço da Gralheira, de que fazem parte as serras da Arada e S. Macário, a sul; com o rio Paiva a seus pés, situa-se a, porventura, mais típica povoação do concelho de S. Pedro do Sul, a milenar aldeia de Nodar.

Perdem-se na noite dos tempos as origens deste rincão à beira-rio plantado. São escassos os vestígios que nos permitam localizar no tempo a sua formação; porém, ainda assim, estamos em condições de defender a tese duma comunidade neolítica que se estruturou tendo como base da sua sobrevivência o Paiva e a abundância de peixe que sempre o caracterizou ao longo dos séculos e, porventura, dos milénios.

Neste concelho muitas aldeias têm origem castreja, dada a altitude em que estão implantadas. Todavia Nodar, com uma cota extremamente baixa, com um rio que quase lhe entra porta adentro, é de aceitar a ideia duma comunidade piscatória que aí se terá instalado, vários milénios antes de Cristo, não dispensando, embora, o produto duma débil agricultura e de alguma criação de gado.

A origem do seu nome remonta, pensa-se, ao início da romanização da Península e terá a seguinte explicação: o lugar foi entregue a uma autoridade romana de nome Notarius. Assim sendo, passou a chamar-se Notarei, “villa” de Notarius. Já em português arcaico o topónimo terá sido traduzido para Nodar, dado que não se conhece outra denominação intermédia, pois, pelas Inquirições do século XIII, já a aldeia tinha o nome que hoje ostenta.

Da sua história mais recuada pouco mais se conhece, a não ser que, com a Reconquista, Nodar foi entregue aos monges beneditinos de S. João de Pendorada que, na região, passaram a ser donos de muitas aldeias no Médio Paiva e nas serranias circunvizinhas. Pertenceu ao extinto concelho de Parada, hoje freguesia do concelho de Castro Daire, até à grande reforma dos municípios do século XIX, em que o seu número foi drasticamente reduzido.

(O convento de S. João de Pendorada, actualmente Alpendorada, no concelho de Marco de Canavezes)

Património construído de interesse histórico pouco se pode apontar, a não ser uma tulha comunitária no centro da povoação; uma capela que remontará aos séculos XVII – XVIII, com a iconografia e decoração nitidamente barrocas; umas alminhas pombalinas junto à ponte que, esta sim, é o ex-libris da pequenina aldeia. Foi construída no último quartel do século XIX (em 1889) e oferecida à comunidade por um benemérito pertencente a uma das famílias, à época, mais conceituadas do lugar, Manuel Duarte Pinto de Almeida, antepassado da actual família Costa.

(Placa da ponte de Nodar. A inscrição refere: “Esta ponte foi mandada construir por Manuel Duarte Pinto de Almeida em 1889?)

Acerca deste homem que conseguiu uma razoável fortuna em terras do Brasil e que a aplicou quase toda, segundo documentos que existem, naquela obra grandiosa, para a época, é consensual que prestou um serviço inestimável, quer a Nodar, quer à região, pois se assim não fosse, provavelmente, ainda hoje não haveria ponte e a única ligação ao concelho de Castro Daire seria o barco, o mesmo que existia antes da ponte ser construída, com todos os inconvenientes facilmente imagináveis. Aliás, basta pensar no problema daquelas gentes para ultrapassar o obstáculo que ali se apresenta, o rio Paiva com o seu grande caudal, principalmente no Inverno. As pessoas tinham e têm propriedades rústicas na margem direita do Rio (concelho de Castro Daire) e necessitavam passar para o lado de lá, para as cultivarem e colher o produto do seu trabalho. Para não falar já de todas aquelas pessoas das aldeias da margem esquerda do Rio que desejavam ir à centenária feira de Parada, ou então as da margem direita que ansiavam ir ao S. Macário cumprir as suas promessas. Enfim, aquela obra, que ainda hoje se admira, quer pela sua beleza estética, quer pela segurança que apresenta, foi um marco indelével na história da pitoresca aldeia.

Pela apresentação acima feita se pode inferir da relação íntima que Nodar manteve e mantém com o rio Paiva. Digamos que o rio, cujas águas, segundo os entendidos, são as mais puras de todos os rios portugueses, é também um alfobre de bom peixe, donde se destacam a truta, o barbo, a boga e a enguia, que complementaram, ao longo dos séculos, a dieta dos nodarenses, fazendo, inclusivamente, com que não houvesse carência alimentar em muitos períodos da sua história, em que a agricultura e a criação de gado não conseguiram prover as necessidades alimentares. Grandes pescarias se fizeram e de que fomos testemunha, nas décadas de 40, 50 e 60, tendo como protagonistas principais os três grandes pescadores do século XX: António de Sousa (Redeiro), Manuel de Paiva Andrade, ambos falecidos há cerca de meio século, e Fernando Gomes da Costa, que nos deixou não há muito tempo. Nos tempos mais recentes, destacam-se como pescadores de grande nível em Nodar o “Ti António de Reriz” e os seus filhos Paulo, Carlos e Alberto. Pesca que continuou, até há pouco tempo, até que a proibição da mesma com rede acabou com essa prática milenar.

(Nodar e o rio Paiva: Uma simbiose perfeita)

A economia familiar andou sempre à volta, como ficou amplamente demonstrado, de uma agricultura de subsistência, de alguma criação de gado (vacas, cabras e ovelhas), complementada com a pesca artesanal, que sempre se praticou no Paiva. A partir do último quartel do século XIX, mas sobretudo, das primeiras décadas do século XX, com o comboio a tocar muitas terras do interior, o movimento de mercadorias ganha algum desenvolvimento. Porto Antigo, junto ao Douro, não muito longe de Cinfães, passa a ser o terminal da sardinha, do carapau e do chicharro, transportados, a partir daí, em canastras à cabeça e aos ombros dos sardinheiros de Boassas que, atravessando o Montemuro a pé e descalços, mitigavam com esse peixe, pago com os ovos das galinhas, dada a escassez do “vil metal”, a necessidade de alguma diversidade na dieta alimentar das povoações ribeirinhas, entre as quais a incontornável, dada a sua localização estratégica (ponte sobre o Paiva), aldeia de Nodar.

Como grande parte do espaço rural português, Nodar vive actualmente um processo de ruptura entre um passado de séculos em que a ocupação do espaço e os laços sociais ocorriam através de um lento fluxo geracional, dentro de um contexto de cultura agrária de subsistência, economicamente pobre mas muito rica culturalmente, e um presente de abandono humano e agrícola, de lenta desagregação dos intricados laços ancestrais existentes entre os habitantes e o espaço por eles ocupado.

Não obstante, dada a posição geográfica particular de Nodar, uma zona montanhosa de acessos difíceis, e certas características de organização social dos seus habitantes, nomeadamente a prevalência de um forte espírito comunitarista aliado a um interesse genuíno em manter vivos hábitos de trabalho ancestrais, rituais associados aos ciclos agrícolas, memórias de histórias e lendas locais, etc., tornam Nodar num lugar prenhe de interesse para um projecto que parte da(s) realidade(s) sócio-geográficas do local para a sua reflexão e intervenção artística.

Texto de Norberto Gomes da Costa