Obras Artísticas:

“Cà”

“Cá” é uma instalação vídeo em dois ecrãs (Cá#1, Cá#2). Esta instalação faz parte de “Locus in Quo”, um projecto multidisciplinar sobre o sentido dos lugares concebido em 2009. “Cá” combina gravações de campo, “extended vocal techniques” focalizadas na relação entre voz, paisagem sonora e propriedades acústicas dos lugares, com performance e arte vídeo.

  • “Cá #1” mostra uma “mater” dolorosa que, com passo solene, anda lenta e silenciosa através das ruas de uma aldeia abandonada. Sempre que ela se aproxima de uma casa, as suas paredes choram água. Uma vez chegada dentro de uma casa, ela encontra os restos de um antigo feixe de milho, provavelmente parte da última colheita feita na aldeia. Em seguida, começa um ritual de lamentação fúnebre. Na fúria destrutiva da lamentação, Maria vive uma morte simbólica para dar vida a uma nova Maria, a qual absorveu o conhecimento da aldeia e se dirige para longe para continuar a tradição. Entre o paganismo e o cristianismo, o vídeo mostra a imagem de Maria como lamentadora padecendo com a morte da aldeia, símbolo do mundo antigo, representado pelo feixe de milho. O vídeo é construído em torno de alguns “tableaux vivants”, poses estáticas perto das portas, janelas e paredes de casas vazias que expressam, de um modo claro, simples e eficaz, conteúdos muito complexos. O objectivo é mostrar o presente, para torná-lo mais “real”. Os “tableaux vivants” alternam com imagens das paredes que choram a passagem da mulher; eles são de uma cor diferente do resto do vídeo: é uma forma de isolar essas imagens, sentidas como “necessárias” para enfatizar o sentido trágico da história contada. A lamentação, o ritual do choro vinculado à colheita é um dispositivo para superar o trauma da morte, para dar forma à dor e às memórias relacionadas com o desaparecimento; é uma etapa fundamental para encontrar a força para continuara viver. Portanto, a mulher na agonia da dor é portadora de vida. Como testemunha, estão as palmas das mãos, cor de cobre, onde ainda cresce erva. O cobre na alquimia é o símbolo da força vital e da água, a água que ainda corre para a aldeia abandonada três vezes por semana para continuar a irrigar os seus campos abandonados. A água que cai das paredes tem, portanto, dois significados: o sofrimento e a morte, mas também a força e o renascimento.
  •  “Cá #2” é um vídeo projectado numa parede composto de imagens que captam a realidade das aldeias, a sua desolação e abandono. A abordagem é analítica e detalhada. O vídeo descreve aquilo que os olhos vêm, os elementos superficiais… a pele do lugar. Uma dimensão inquietante e imprevisível manifesta-se na paisagem na qual a escuta, a quietude e a calma predominam, na qual os sons do ambiente e a voz intensificam e amplificam esta característica. A composição sonora é constituída por sons da voz da performer gravados em campo e captados com microfones binaurais nas aldeias abandonadas, por sons das aldeias abandonadas e por música tocada pela Sociedade Filarmónica de Santa Cruz de Alvarenga (Arouca) captada numa festa na aldeia de Parada de Ester (Castro Daire).

“Birdsoundcage” é uma gaiola de pássaro recriada sonoramente numa sala vazia e asséptica. Lá dentro jaz um corpo imóvel, completamente enfaixado, que para sobreviver auto constrói uma gaiola à sua medida feita de próteses. As próteses são obtidas fixando com ligaduras ramos de árvore nos membros inferiores e superiores. A matéria orgânica de que são feitas as próteses remete para os restos de um ninho, um lugar do passado que já não existe. “Birdsoundcage” é um lugar simbólico ao qual somos convidados a dar um sentido.

Excerto de “Birdsoundcage” por Maunuela Barile, 2009 

A gaiola é um sítio imaginário construído ao redor de um corpo, o que evoca um lugar dentro do corpo para um estado de ser. A jaula pode simbolizar muitas situações desagradáveis pelas quais somos inevitavelmente obrigados a viver, que não são impostas por outros, mas que mesmo assim tendemos a acumular. Portanto, a gaiola pode ter um duplo significado. A jaula é a prisão ou o ninho, dependendo da nossa abordagem à vida e do significado que damos às coisas. Numa situação de desconforto, tristeza e desespero, a gaiola pode transformar-se em algo positivo quando a dor nos coloca numa situação de confronto, quando a dor se torna partilha e atuação de acordo com a nossa vontade. O encerramento pode então ser uma abertura. A perda de liberdade, pela existência de uma restrição, de um impedimento, de uma obstrução é uma condição solucionável. Construir uma gaiola com os restos do ninho, para Manuela Barile, significa aceitar a dor, deixá-la fluir. Significa também conectar-se ao passado, ao que fomos, às nossas próprias experiências, das quais podemos sempre adquirir novos conhecimentos.

Biografia:

Manuela Barile (n. Bari, Itália 1978) é uma pesquisadora vocal e performer interdisciplinar que vive no concelho de S. Pedro do Sul. A sua pesquisa artística assenta num trabalho projectual que combina os sons da voz com media diversos (”field recordings”, vídeo, fotografia, instalações, performance, concerto-performance, desenho, escrita). Como performer vocal Manuela Barile já trabalhou ou colaborou com uma diversidade de artistas da cena experimental europeia e norte-americana. Em Junho de 2006 participou com Pino Pipoli no evento de arte contemporânea “Fresco Bosco”, do qual foi curador Achille Bonito Oliva. Manuela Barile iniciou em 2007 uma colaboração com o artista sonoro Português Rui Costa para o desenvolvimento de um projecto intermédia de larga escala, intitulado “La Scatola”, o qual foi concebido como uma série de instalações e/ou performances. Em 2009 concebeu uma série de instalações sonoras e vídeo sobre o sentido dos lugares, que intitulou “Locus in Quo”, projecto apresentado em diversos espaços museológicos e em festivais de vídeo arte europeus e norte-americanos.