Marcando Pedras

Vim para Nodar sem qualquer ideia sobre a paisagem que iria encontrar. Ao percorrer os caminhos da aldeia e as colinas que a rodeiam, aquilo que mais me intrigou na paisagem foi a pedra dexisto-o material primordial na base de tudo, podia-se encontrarem todo o lado-nas encostas em socalcos, nos caminhos pedregosos e até nos seixos do rio: usadas na pavimentação de estradas, nos telhados das casas; como lajes, sustentando cercas e ombreiras; na construção de muros, alguns novos e regulares,outros envoltos de tal maneira por trepadeiras e vegetação que não se percebe se são produtos da natureza ou do homem. E estes dois estados vão alternando, a pedra retirada da natureza para construir e a construção que se dissolve novamente na natureza, com o uso e desuso de gerações sucessivas, numa reciclagem permanente.

Foi param im um delírio visual, a magnífica diversidade de formas: Dos pequenos seixos às grandes lajes, da textura lisa e suave dada pela erosão da água, à textura mais áspera e afiada; assim como em termos de cores–a intensidade dos tons cor de cobre,passando por um número incontável de cinzentos.

Comecei por levar o xisto para o estúdio, onde fiz alguma experiências: desenhei em cima dele, risquei-o, escrevi nele como se fazia nos quadros de ardósia, antigamente na escola. Mas o encanto do xisto estava na sua forma original em cada local, na aldeia e à sua volta. Precisava unicamente de observar e destacar as pedras, marcando-as, interagindo discretamente, e deixando-as no seu lugar para que pudessem ser vistas poroutros, antes que as marcas desaparecessem e a pedra voltasse à indiferença na paisagem.

O tempo da descoberta e interacção com cada pedra (gravado em vídeo), sem chegar a “desenhos” finais, foi o meu trabalho.O tipo de inscrição desenhada era determinado pela própria pedra–a sua posição, textura, o seu uso ou desuso, os efeitos da luz e do tempo sobre ela; assim, ao encontrar uma pedra, o “conteúdo” do desenho surgia espontaneamente. Numa das pedras tracei o jogo da luz solar, que através da videira criava formas ondulantes; noutra pedra esbocei a sombra de uma planta à superfície. Por vezes, o musgo ou o bolor criavam formas que eu decalcava, contornando ou fundindo as duas. Com a minha linha imitava o movimento do fluir da água sobre as pedras e as ruas. Prossegui com o vaguear das linhas das videiras a trepar aparede e, em lajes encostadas a uma casa que eu rabiscava,esbocei as formas de pequenas peças de xisto em superfícies planas ou continuei com rabiscos de pintura rupestre numa imensa laje.Uma das gravuras sugeria um rosto triste, outra inquietação.Em algumas lajes maiores, que tinham aberturas ou recessos misteriosos, sobrepus papel de cenário, fazendo grandes decalques em grafite.

No último dia, pendurei pequenas pedras de xisto na minha roupa, amarrei pedras a uma bengala e fiz o meu caminho pela aldeia com as pedras a tilintar desordenadamente pelas ruas pavimentadas de xisto.Em breve as minhas inscrições nas pedras ficarão desbotadas ena memória não restará mais do que o leve tilintar da pedra contra pedra.

Lezli Rubin-Kunda é uma artista multidisciplinar israelita que trabalha nas áreas da performance, instalação, fotografia e desenho. A sua prática nos últimos 10 anos tem-se focado em projectos “site-specific” explorando um ambiente através da intervenção directa, usando o seu corpo e os materiais disponíveis do local para desenvolver acções e criar configurações temporárias. O seu trabalho tem sido apresentado em festivais de performance, vídeo e multidisciplinares em diversos locais de Israel, Europa e Américado Norte.

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