Sem Título

Concebi o meu projecto para Nodar como uma plataforma na forma de uma instalação e de uma performance, que constituiu um processo (aleatório) de comunicação acústica, cruzando fronteiras geográficas, físicas e emocionais. Sons acusmáticos, gravações sonoras de campo e peças electro acústicas foram captados e gerados através de meios analógicos e retirados da área envolvente, numa acção de improvisação e “hoerspiel” (rádio drama) situada na paisagem de Nodar.

A minha ideia foi criar um enquadramento que potencias se uma série de improvisações e novas combinações (visuais) de vestígios locais, gravações de campo, composições electroacústicas e experimentações sonoras. A opção composicional caracteriza-se igualmente pela participação da herança sonora ligada ao local, trazendo o tempo e o lugar enquanto elementos de modulação da peça, colorados por métodos analógicos e “lo-fi”.

O meu projecto procurou aproximar pessoas, lugares, natureza, texturas, fonógrafos e ouvintes, para participarem activamente numa viagem sonora subjectiva e irrepetível. Pretendi criar uma obra de arte cujas referências não fossem apenas o local e o tempo, mas também as sensibilidades privadas e emocionais. A minha intenção foi produzir um palco que se aproximasse da ideia de jardim musical, onde se pudessem cruzar e disseminar culturas musicais e sonoras.Quando cheguei a Nodar vinha com esta ideia de criar um jardim musical e senti o desejo de plantar diversas coisas no meu jardim: algumas floresceriam e outras nem por isso. Cada uma dessas coisas seria uma gravação ou apenas uma textura, mas o seu funcionamento teria sempre um processo diferente.Tudo isto contaria uma história diferente. Gostaria que as pessoas que visitassem a minha instalação participassem igualmente nela, atravessando o espaço da instalação e mudando os objectos nela dispostos.

Este projecto, fundamentalmente interactivo, baseou-se em múltiplos pontos de partida dispostos no espaço, cada um tendo associado sons de duração diferente, de apenas alguns segundos a vários minutos. Alguns campos singulares geravam som sempre que activados, funcionando em “loop” ou indefinidamente. Múltiplas fontes sonoras podiam ser activadas, cada “loop” e sequência era modulada com os demais numa interligação em rede, para uma experiência sonora e sensitiva mais complexa. Escolhi e editei as fontes sonoras considerando qual a melhor composição para determinados tipos de subjectividade, mas a ênfase manteve-se na aleatoriedade, morfologias, mutação e espacialização, e tudo isso envolveu improvisação.

O meu percurso artístico inicia-se com as gravações sonoras de campo (“field recordings”), mas cada vez mais me interesso por juntar elementos musicais nas minhas composições, não de forma estrita, mas permitindo que diferentes cenários e humores contribuam para a criação de uma nova história, através da sua possível união acidental. Em vez de criar as peças numa estrutura fechada elas são criadas no espaço. Interessava-me a paisagem (sonora), as pessoas, a noite e o dia, acontecimentos esporádicos e histórias, e reunir todos estes elementos numa composição, portanto numa nova história. Também me interessam as texturas de materiais primários como a madeira, o metal e a pedra e quis levar em conta estes elementos na composição. Pretendia com isto despoletar emoções, a poesia das coisas, e isto não é algo que se possa controlar, é instável e, como tal, exposto ao erro.

Estruturar o projecto demasiado cedo era algo que não queria fazer; quis recolher elementos esparsos, como num diário, ia gravando os sons com o meu gravador de cassetes, tirando fotografias, apanhando seixos e paus, e assim reuni imenso material. Descobri que o som da guitarra era muito diferente quando a tocava no metal ou com as pedras à beira rio. Gostava também de tocar para os animais.

Interessava-me a ressonância dos instrumentos em diferentes espaços, a guitarra à beira rio com o soprar do vento, o som do teclado no túnel debaixo da ponte. Não me queria limitar a gravar o som da água, das rãs,ou da madeira. Queria gravar a minha presença nesses locais, a minha viagem, como alguém que faz vários esboços do meio envolvente e depois os junta.

Em Nodar tive a oportunidade de explorar a forma como o meu trabalho pode estabelecer redes de relações baseadas nas capacidades perceptivas naturais do ouvinte; incluindo elementos metafóricos e simbólicos, e como a arquitectura global de uma peça sonora pode funcionar simultaneamente enquanto estrutura acústica / musical e enquanto estrutura metafórica /simbólica. Que tipo de abordagem, tendo como base conceitos de paisagem sonora, nos pode servir para tentar criar um discurso dentro de uma peça sonora que consiga estabelecer linhas de comunicação entre o compositor e o ouvinte?

Foram convocados e identificados sons na aldeia de Nodar e nas redondezas, as quais foram editadas e incorporadas em composições, deixando ao acaso as suas formas finais. Desenhei o palco e estruturei todas as partes do processo, mantendo em aberto os processos gerais do trabalho para permitir uma participação e envolvimento activo.

Pretendi criar um espaço de experimentação e de partilha fluida, com um foco nas composições e nos sons, nos seus múltiplos níveis. Um espaço de escuta, de improvisação e de actuação onde, por exemplo, se possa activar simultaneamente o som de folhas secas e do sino de uma igreja local, um cão a correr pela noite e a conversa de uma vendedora no mercado, ou ainda de uma rapariga a cantar no chuveiro…

Entre as ferramentas, objectos e material efémero que utilizei no meu trabalho estão: registos visuais, desenhos, um lugar, a luz, material de projecção, leitores/gravadores de cassetes, colunas alimentadas a 9 Volts, registos video gráficos, microfones de contacto, gravações sonoras de campo binaurais, um teclado Casio SK1, uma cítara, um e-bow (aparelho electro-magnético para guitarra eléctrica), tijolos, pedra, ramos e arame.

Melanie Velarde é uma artista sonora Australiana baseada em Berlim. Tem um Mestrado em Novas Artes Media (estudos sonoros) pela Universidade RMIT de Melbourne. Tem utilizado essencialmente gravações de campo para produzir texturas sonoras e sensuais que podem ser experienciadas dentro de um espaço definido, habitualmente na forma de instalações sonoras e de vídeo bem como de performance. O seu trabalho tem sido apresentado em galerias e festivais na Austrália, China, Dinamarca e Alemanha, assim como em emissões de arte radiofónica.

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